Visite-me em:www.rubempenz.com.br
www.rufardostambores.blogspot.com
Número 476
Rubem Penz
O amor não é alimento, mas nenhuma refeição jamais nutriu e fez tanto bem quanto aquela preparada com carinho verdadeiro. O amor não ergue paredes, mesmo que inexista ambiente mais acolhedor do que qualquer um onde nos espera o abraço de afeto. O amor nada ensina, treina, instrui ou capacita ao mesmo tempo em que é ele a única lição que jamais deveríamos deixar de aprender e ensinar.
O amor não esquenta – sim, roupas e cobertores ainda serão imprescindíveis durante o inverno. Agora, não haverá pés aquecidos sem antes acalentar a alma. O amor não nos leva daqui para lá, ou de lá para cá: ele nos eleva. O amor nunca foi o responsável pelas cifras na conta bancária (boas ou más). Ao contrário, por ele, ou em sua promessa (concreta ou vã), há quem demandaria fortunas, contrairia dívidas ou aplicaria calotes.
Ninguém aprende andar por amor: quem manda em nossos instintos é a necessidade. Porém, nenhuma caminhada será extenuante ou impossível quando motivada pela paixão. O amor não tem a faculdade de transformar sonhos em realidade – com ele, a realidade é que ganhará ares de sonho. O amor jamais será fonte de status ou projeção social: seu alvo é a dignidade, a virtude, a transcendência.
O amor jamais será causa de sofrimento, sacrifício ou dor. Com ele, toda contrariedade será superada mais suavemente. Dói, sim, o desamor. Um é lupa para a tolerância, o outro faz crescer as diferenças a ponto de deixá-las incontornáveis. Eis um dos maiores perigos do amor: seu poder anestésico pode até causar a morte heroica e solidária. Eis um dos maiores perigos do desamor: sua intolerância ao sofrimento pode até causar a longevidade covarde e egoísta.
Por tudo isso, e pelo que mais e melhor nos disseram os poetas, viver sem amor é passar batido pela vida. Mas só há um amor que podemos cultivar e fazer crescer: o nosso. Primeiro, para consumo interno – amor próprio. Depois, como dizem os profetas, para distribuir a quem esteja ao nosso redor. Os demais amores, no máximo, poderemos ter na base das trocas. E, nessas trocas, o que damos e recebemos? Apenas sementes de amor – promessas que também dependerão de interno cultivar.
A todos, e a mim também, desejo uma alma fértil e um amor vicejante.
Número 475
Rubem Penz
Hoje cedo Cinderela não encontrou o príncipe encantado no ônibus. Na verdade, ficou absorta na janela, contando quantas mulheres estavam de saias e quantas de calças nos carros que passavam pelo coletivo. Descobriu – quem diria? – que há muito mais mulheres que vestem calças.
Também não encontrou o príncipe encantado ao atravessar a avenida movimentada. Chegou à esquina quando o sinal verde já estava piscando, e encontrar alguém assim tão especial é complicado quando se está correndo de salto alto. O máximo de sorte seria ele a encontrar, desde que não estivesse em um carro – ninguém merece ser levada ao pronto-socorro municipal quando o destino desejado é um nobre altar...
Inscrições abertas para a oficina de crônicas Aperitivo Santa Sede (12 terças-feiras, 19h30, a partir de 12/06 no bar Apolinário). Informações e inscrições em rubempenz@gmail.com . Escreva!
No almoço, Cinderela perdeu outra chance de encontrar seu príncipe encantado: junto com Cyntia e Jô, divertiu-se com zarabatanas de caneta Bic e pedacinhos mascados de guardanapo de papel. Os alvos principais foram os carecas. Dois deles ficaram meio indignados e chegaram a ir até elas na mesa para tomar satisfação. Um terceiro reclamou bastante, mas aí com certa razão: o papelzinho rebateu no nariz dele e caiu para dentro da canja de galinha. Aí você pergunta: por que não ficaram olhando para os homens bonitos em busca do príncipe encantado? Simplesmente porque queimariam o filme com eles levando tiros de zarabatana!
Antes de voltar do almoço, foi-se, por detalhe, outra oportunidade de encontrar o príncipe encantado. O lugar era até propício: passaram pela praça na direção dos camelôs da calçada oposta. É o mesmo trajeto de nove entre dez funcionários de banco, muitos deles reluzentes estudantes de Administração, Economia ou Marketing. O problema é tirar os olhos do chão quando se está apostando quem pisa apenas nas pedras escuras. Pouca gente faz ideia de quanta concentração é necessária. A Cyntia ganhou. Outra vez!
Em seu trabalho, a chance de encontrar o príncipe encantado era zero: Seu Antenor (velho), Jorginho (e suas espinhas na testa), Anderson (casado) e Kleberson, esse mais pelado do que ela. Pior que vive dando em cima – a chama de princesa. Outro dia apareceu com uma história de passearem no barco que recém inaugurou. Bom programa para encontrar um príncipe. Mas, com o Kleberson ao lado e babando de amores, babaus encantamento.
Ao final da tarde, Cinderela pegou no sono dentro do ônibus e sonhou com o belo e amoroso príncipe. Acordou dois pontos adiante e retornou a pé, morrendo de medo de encontrar outra coisa pelo caminho, nada parecido com nobres mancebos. Depois do jantar, tomou um banho e foi reencontrar seus sonhos na TV. Antes de adormecer, combinou via SMS de irem, ela e suas amigas, para a praia no final de semana.
Felizes para sempre.