28.9.07

Número 234

AUTOMÓVEL DO FUTURO

 

Imagine comigo um consórcio entre montadoras de automóveis, companhias seguradoras e empresas de segurança privada. Seu objetivo: projetar o carro do futuro – um veículo que usa a tecnologia para garantir o bem-estar e a segurança que o cliente merece. Afinal, vivemos dias de guerra urbana... Neste devaneio, as instruções do vendedor ao feliz proprietário poderiam ser algo assim:

 

– Bom dia! Antes de mais nada, além dos parabéns, gostaria de estar dando pequenas orientações prévias, ok? Entre no carro, bata a porta, digite a senha no computador de bordo e aperte o botão azul. São exatos quinze segundos para estar apertando o botão azul, caso contrário o veículo não estará ligando o motor. Mais: estará disparando o pisca-alerta, estará travando portas e vidros e estará ganhando, em menos de oito minutos, a companhia tranqüilizadora de um pequeno batalhão armado. Botões de pânico são coisa do passado – os procedimentos de segurança, agora, são pró-ativos. Chamamos de Procedimentos de Qualificação Prévia (PQP).

 

– Depois de digitada a senha, o primeiro aviso sonoro – apito agudo – estará alertando para a colocação do cinto de segurança. Se desobedecido, além do incômodo, estará fazendo subir a prestação do seu seguro de vida. O segundo aviso – um sininho din-dom – estará pedindo para digitar um dos destinos previamente estabelecidos: sua residência, clube, academia, igreja, restaurantes etc. Aqui, a partir da página 36, o manual do proprietário estará ensinando a programar estes endereços, sujeitos à aprovação do PQP.

 

– Escolhido o local de chegada, um sistema ligado aos nossos satélites estará acionando a Central de Palpites (CP), que estará ditando o trajeto com base em variáveis de segurança, de economia de combustível e tempo. É preciso seguir o rumo sugerido de modo fiel, mesmo que pareça ilógico. Aspectos preventivos estarão escolhendo uma entre dezessete rotas ideais, de modo randômico, para evitar-se rotinas rastreáveis – não queremos clientes seqüestrados...

 

– Alertamos que estatísticas de ocorrências policiais poderão estar afetando a sua lista de destinos pré-determinados. Por exemplo: um restaurante hoje classificado no PQP como destino seguro, amanhã pode deixar de sê-lo. Nestes casos, não adianta estar digitando o código diversas vezes – como já ocorreu em clientes histéricos. O procedimento correto é estar pressionando a gerência do restaurante a estar reforçando as garantias do quarteirão.

 

– O painel colorido à esquerda é a parte visível do que chamamos Relatório de Medidas Diversas (RMD). Ele estará indicando o nível de álcool no sangue com base na sua respiração, elevando todos os seguros a cada ocorrência de embriaguez, numa escala crescente. No cinto de segurança existem sensores para medir sonolência e alteração libidinosa – ambas inscritas nas seguradoras como Indicativo de Risco Iminente (INRI). Para estar conferindo os acréscimos de valor na prestação do seguro, digite o número da apólice no computador de bordo. Muito obrigado e, qualquer dúvida, estaremos estando à disposição.

 

Caso o leitor já tenha saudade do tempo em que era possível entrar no automóvel com liberdade para ir e vir, tomar chope de acordo com a consciência e até andar com os vidros abertos, calma: esta crônica, além de exagerar propositalmente no gerúndio, exagera no prognóstico. Ou não?

20.9.07

Número 233

ANTES QUE SEJA TARDE *

Com força popular e com vontade política, a ética há de se espalhar com toda a intensidade. Com força de caráter e com vontade de acertar, a decência há de se espalhar com toda a intensidade. Com a força do voto e com o respeito à vontade de quem elegeu seu representante, a justiça social há de se espalhar com toda a intensidade.

Assim, há de molhar o já seco manancial de esperança que o brasileiro vê minguar a cada dia. Há de enxugar os olhos de quem chorou as vítimas das tragédias repetidas e cruéis, como, por exemplo, do caos aéreo. Há de iluminar os becos, onde a violência e o tráfico de drogas dizimam o futuro de meninos e meninas, tanto de forma direta, quanto por balas perdidas. Antes que seja tarde.

Há de assaltar os bares, principiando por aqueles das Universidades – fóruns de livre pensar, indutores de consciência e formadores de uma elite que precisa ser resgatada, e não demonizada. Há de tomar as ruas, em manifestações claras de repúdio à política venal e corporativista. Há de visitar os lares, reduto primeiro no qual se cultiva o juízo do que é certo e errado, e de onde a educação emerge como formadora. Antes que seja tarde.

Há de rasgar as trevas das votações secretas no Senado Federal; as maracutaias engendradas na ante-sala do Poder Executivo; a corrupção e o favorecimento escuso que germina nas Casas Legislativas, Prefeituras e Governos Estaduais. Há de abençoar o dia em que a Justiça não puna apenas o ladrão de galinhas, alcançando com igual rigor os criminosos de colarinho branco. Há de guardar as pedras arremessadas por radicais de todos os matizes, capazes das atitudes mais atrozes e ilegais por sentirem-se justificados por fins nobres. Antes que seja tarde.

Há de deixar semente do mais bendito fruto na terra e nos ventres do Brasil, que depende, ainda e como nunca, de pessoas capazes de levar o desenvolvimento social e econômico para cada um dos rincões da nação. Sem assistencialismo, mas com oportunidade. Sem apadrinhamento, mas com a valorização dos méritos. Sem preconceitos de qualquer espécie, mas com o respeito às individualidades. Antes que seja tarde.

Há de fazer alarde em uma imprensa livre, fiscalizadora, opinativa e plural – sim, pois à informação jamais deve imputar-se uma falsa aura de imparcialidade. Há de libertar o sonho repleto de esperança da nossa mocidade, ao legar bons exemplos e mea-culpas. Antes que seja tarde.

Por fim, há de mudar os homens que decidem os caminhos da nação brasileira. Rápido! Antes que a chama da ética se apague. Antes que a fé na democracia e nas instituições nacionais se acabe. Antes que seja tarde.

* Crônica escrita com base na obra de Ivan Lins e Vítor Martins, de mesmo nome, composta em (e para) outros tempos, mas com uma atualidade perturbadora.

13.9.07

Número 232

UM NOME SINGULAR

 

Vou tratar de um tema que todos conhecem bem: nossos nomes. Existem duas formas de escrever o nome próprio de alguém: a certa e a errada. Porém, existem nomes com diversas grafias e, para estes, são três, quatro ou cinco as maneiras de escrevê-los. Surge, assim, uma nova categoria: a forma certa, a errada e a possível. Veja o meu caso: há o Rubem, o Ruben e o Rubens. Eu, por escrito, sou o primeiro. Contudo, os outros, como direi, são quase meus nomes. Tanto que atendo por eles sem pestanejar – nem dou ouvidos ao sibilar no final.

 

A visão é muito mais severa neste julgamento de certo e errado: quando olho para a folha – ou para a tela – as variantes do meu Rubem desagradam. Não morro por causa disso, claro. Mas adoro quando adotam o modelo correto. Se o equívoco acontece em documentos, cartazes e certificados, diligente, peço para que seja corrigido. Mas em cartas, e-mails e mensagens triviais, até em dedicatórias – paciência, o autor já escreveu –, faço vista grossa. Ninguém tem culpa de existirem vários Rubens (aí é o plural). Respondo as mensagens eletrônicas na grafia com a qual fui batizado e bola para frente, esperando um dia ganhar por insistência. Ou não.  

 

Quem inveja esta minha tripla grafia é o Luís Antonio. Não, não: o Luiz Antônio. Ou seria Luís Antônio? Já sei: Luiz Antônio! Ai, ai... Peço ao Luiz Antonio, caso esteja lendo o texto, que me perdoe, pois quando o nome é composto, o problema (e a dúvida) se multiplica. Além do mais, na língua falada, nenhum dos Luizes se diferencia do outro. Nem os Antonios. Logo, para quem escuta, tanto faz. E quando chega a hora de escrever é um Deus-nos-acuda! Complicado, não? Olha que nem chegamos aos sobrenomes.

 

O H é uma letrinha madrasta em se tratando de confusões nominais. Principalmente quando sem som. Helenas, Heloísas e Heitores que o digam. Uma das passagens mais engraçadas que já soube em matéria de H me foi contada pelo grande amigo Helio Vicente. Parece que aconteceu diante de uma atendente de crediário. Ele ditou para ela o seu nome: Helio. Ela começou a escrever "El...", quando foi interrompida: – Moça, desculpa, é com H – disse ele. A profissional ergueu os olhos com enfado, como quem pensa que é claro que só pode ser com H, está me tirando para burra? E lascou na folha: "Elho"!

 

A livre tradução dos estrangeirismos, marca nos dias atuais, está causando um verdadeiro reboliço nos nomes escritos. Não sei onde andam os tradutores que ainda não viram o filão de mercado que é atuar em cartórios de registros naturais. A falta deles está abrindo uma lacuna para dezessete maneiras diferentes de escrever Michael, por exemplo. Doze delas em guris com idade de jogar futebol. Nenhuma como o correto Miguel, óbvio. Em casos assim, acertar o nome do sujeito por escrito passa a valer ponto de loteria. Johnny, o diminutivo de John (João), também varia muito na escrita. Mas, Joãozinho, nem pensar... Outro nome campeão de possibilidades é o da princesinha de Mônaco: Stephanie. Algum tradutor sabe qual é o sinônimo deste nome em bom português?

 

 

Se você tem um nome que pode ser escrito de várias formas, ou um nome estrangeiro, ou um complicado, pense bem: que paz ser simplesmente Ivo, Eva, Maria e José. Também, por outro lado, que tédio... Como este não é o meu caso, até já criei duas frases feitas para acertarem meu nome. Antes de escreverem, quando me perguntam se o final é com "n ou m", respondo: é com "m" de Márcia – e ganho um pontinho com a patroa.   Agora, quando nada perguntam e escrevem Rubens, eu corrijo: não é plural, sou um só. Piada infame, porém funcional.    

5.9.07

Número 231

SOBRAM ABACAXIS. FALTAM ABACAXIS.

 

Quanto pior, melhor. Esta parece ser a regra da comunicação em massa. Programas de auditório e sites de entretenimento (tipo youtube) se abastecem de figuras bizarras e transformam o grotesco em fama instantânea. O mais novo exemplar genuinamente brasileiro, gaúcho de Nova Prata, é o pseudocantor-compositor-dançarino Helio dos Passos. Irretocável modelo da fórmula. Para entender, perca cinco minutos no google procurando por este abacaxi. Nem um segundo a mais, por favor!

 

Não é muito difícil encontrar exemplos de pessoas sem a menor noção do ridículo. Gente que, embriagada pelo prestígio de ser, por instantes, o centro das atenções, expõe-se ao riso e à chacota do grupo. Imaginam ser esta a chave do sucesso. No ambiente escolar, os líderes negativos da turma são os primeiros a identificar alguém com este perfil e, de modo sádico, inflar seu ego. Se o menino ou a menina não estiver atento, cairá na armadilha e será lembrado para sempre por ocupar o indigno trono do bobo alegre.

 

Afirmo que este Helio pertence ao seleto grupo dos completamente sem-noção, mesmo que ele venha a discordar de mim. Posso adivinhar seus argumentos: "Não componho, danço ou canto tão mal assim. Sou autêntico e esse meu jeito agrada as pessoas. Represento o povo. Sou um herói na cidade e quem me critica tem apenas inveja". O problema é que ele compõe, dança e canta pior, mas muito pior do que imagina. E quem lhe dá espaço em mídia de massa faz o mesmo papel do líder negativo da sala de aula: ilude para ter de quem zombar.

 

A glamourização do bizarro germina nos acessos direcionados aos adolescentes e jovens, e isso está longe de ser um acaso. Quem vive o período da auto-afirmação adora rir dos outros (vide MTV). Quanto mais ridículo, melhor. Lembra-se da Sônia do www e da Solange do BBB? É isso. Na esteira desta constatação, muito artista garante o seu sustento. Basta recordar, por exemplo, dos Mamonas Assassinas. Ou, para os mais antiguinhos, do Ultraje a Rigor. Ambos faziam questão de apresentar espetáculos burlescos. Mas existem diferenças abissais entre estes conjuntos musicais e os casos como o do Helio: os grupos compunham boas paródias, executadas com total domínio técnico. O caricato era método. Helio dos Passos, atenção, se leva a sério.

Para concluir, muito mais lamentável do que a cruel exploração da falta de talento do diligente Helio, ou de sua própria satisfação com a zombaria que provoca, é a ausência de um bom amigo para lhe aconselhar. Alguém de confiança e que não tema a verdade: meu velho, sua música está muito ruim. Aquele mesmo que, numa sala de aula, evita a troça e atua para livrar o colega mais ingênuo da humilhação. E isso pode ser feito mesmo na TV. Se bem me lembro, o Chacrinha, mestre do bom-humor, nunca aplaudia a evidente falta de noção do calouro incapaz em seu programa. Premiava-lhe com o meritório anonimato, depois de uma generosa buzinada e um educativo abacaxi.