28.9.12

Sílabas não são gametas

Número 492

Rubem Penz

É muito comum ao olhar para uma criança vermos a testa do pai combinada com o queixo da mãe, a orelha da avó e o sorriso da tia. Ou, em certos casos, olhos amendoados em inspiração oriental e, ao mesmo tempo, claros como só o ocidente produz. Ainda mais bacana: ser fisicamente parecida com a mãe, mas herdar o gênio do pai. É o que acontece quando os gametas geram uma nova vida, colhendo rastros do passado ao mesmo tempo em que seguem novos caminhos.

Por isso, gastamos nosso charme escolhendo parceiras bonitas (na verdade, sendo escolhidos por elas). A lógica é: se ela assenta com meu gosto, essa combinação funcionará bem com a prole. Porém, a mesma sorte não apresentam os nomes próprios. Pais inspirados na união semântica para compor a alcunha dos filhos correm o risco de compor aberrações, tudo muito bem intencionado. Sílabas, por mais que se queira forçar a relação, não casam necessariamente.

Se o garboso Mário resolve combinar seu nome com a amada Otília, pode nascer a Marília. Lindo, não? Mas, em nova gravidez, pode vir um Otário, quem sabe uma Matília – ou ambos, se forem gêmeos. Que perigo! Quando a bela Denise escolhe como par seu querido Marcos, a filha pode ganhar o exótico, mas ainda bem decente nome de Marise. Porém, um escorregão na criatividade e ela pare uma Marquise. Ou um Demarcos: basta uma apóstrofe e vira nome de restaurante...

Pois esse espírito de criatividade baseado em combinações parece ter incorporado na FIFA. O pessoal já sinalizava certo afã em surpreender quando desprezou as araras, papagaios, saguis ou tucanos – olha que perigo! – para ser o animalzinho símbolo da Copa do Mundo. Nada que fosse fácil e direto como um Brasil lindo e trigueiro cantado em imagens exuberantes por todas as agências de turismo do planeta pareceria correto. Daí vem o Tatu Bola que, vá lá, traz a gorduchinha na própria alcunha. Já me acostumei.

Porém, combinar conceitos em forma de sílabas de palavras como ecologia, júbilo, amizade, azul ou amarelo para formar o nome do mascote foi demais. E deu no que deu: Amijubi, Fuleco e Zuzeco. Enquanto nos Cartórios Civis de Registros de Pessoas Naturais já existe uma orientação para evitar o futuro vexame com Zigomires, Airtomélias, Lupolenos, Anastélios (ou qualquer esquisitice que pretenda representar a união dos pais para além da genética), na FIFA esse bom senso nem foi cogitado.

Há quem tente evitar o pior. Outros dizem que a entidade já registrou os três nomes em todo o mundo para garantir o ganho monetário. Enfim, pouco ou nada adianta eu protestar – o filho não é meu e não tenho nada com isso. Mas, depois, se o pobre Tatu Bola sofrer bulliyng, não foi por falta de aviso!

 


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26.9.12

Coluna do Metro Porto Alegre em 26.09.2012


CINDERELA, O PRÍNCIPE E O FINAL FELIZ
Era uma vez Cinderela, uma gata borralheira que, depois de ficar órfã, foi tiranizada por sua madrasta e filhas – todas invejosas de sua formosura. Rebaixada ao papel de criada, tinha nos animaizinhos seus únicos amigos. Mas, ao contrário do que se possa crer, conservava sua beleza e alto astral (seria o caso de aproveitar esse gancho para uma campanha publicitária desses novos e milagrosos produtos de limpeza).
A história mudou de rumo quando o Rei e a Rainha marcaram um baile para desposar o encantador filho – ele que, por romântica teimosia, relutava entre candidatas políticas. À época, fique o registro, era com alianças no altar se faziam alianças, e não com cargos ou ministérios. A madrasta, temendo pelo insucesso das filhas, boicotou a ida de Cinderela. Contudo, não contava com uma Fada Madrinha para garantir a presença da bela. À época, fique o registro, apadrinhamento já fazia a diferença.
O Príncipe – nossa! – surtou quando Cinderela entrou no salão. Era deslumbrante: cabelo, joias, maquiagem, lingeries, vestido e um incrível sapatinho de cristal. Aliás, um pezinho dele foi o que restou para trás quando bateu meia-noite e o encanto se desfez. A borralheira voltou para seu cubículo imundo e a vida continuou muito dura.
Porém, com o sapatinho nas mãos, desconsolado, o nobre decidiu reaver o que parecia perdido. Varou o reino em sua cruzada, fazendo a carruagem estacionar em cada endereço. Chegando à casa da madrasta, as feiosas esconderam Cinderela no sótão. Astuto, um ajudante real viu a moça na janela, resgatando-a. E, num passe de mágica, quando vestiu o pezinho dela com o sapato perdido, o outro pé apareceu! Que alegria!
O Príncipe deixou a casa levando, enfim, o par completo – mereceria destaque em seu closet. Antes, é claro, pagou para Cinderela um bom preço por ele e, ainda, deu-lhe o cartão do advogado do reino para que ela colocasse a madrasta na Justiça do Trabalho – havia sinais claros de exploração de menor, trabalho escravo, insalubridade, nada de horas extras ou férias remuneradas. Um horror!
Com a indenização, Cinderela abriu um atelier com a Fada e passou a vestir toda a Corte, a começar pelo Príncipe: marco no nascimento e ascensão da burguesia e da mulher independente. Ao final, todos, menos a madrasta, viveram felizes para sempre.

21.9.12

As lições de um hematoma

Número 491

Rubem Penz

Ler uma entrevista do Prof. Dr. Luiz Roberto Rigolin na Folha de São Paulo foi uma experiência de regressão: visitei minha vida passada de educador físico. E nem precisei mudar de encarnação, apenas voltar algumas profissões atrás. Na matéria do jornal, Rigolin defende que "estamos criando analfabetos motores". O termo é forte – talvez de propósito –, ainda que, para alguns casos, bastante adequado.

Sua tese recai sobre as crianças de classe média alta e alta, as quais perdem a oportunidade de desenvolver em plenitude seu potencial motor ao não experimentar determinados movimentos no tempo certo. Afinal, do mesmo modo com que capacidades cognitivas são adquiridas em etapas do desenvolvimento, a competência gestual também depende de estímulos múltiplos, adequados e pontuais.

Essa responsabilidade pode ser dividida entre vários culpados. Um deles é o medo: crianças não brincam mais nas ruas, livres para subir em árvores, atirar pedras, competir em brincadeiras como as de pegar ou jogos artesanais, escalar telhados, fabricar seus apetrechos ou lutar. Antes que alguém fique chocado, pergunte aos avós se não era essa a rotina fora da escola. Hoje, isso só acontece em zonas periféricas, e olhe lá. A violência ameaça crianças longe da tutela dos pais ou cuidadores.

Outro responsável é o excesso de zelo. Filhos de lares abastados parecem feitos com esqueleto de cristal, pele de porcelana e confiança delgada como a casca do ovo. Um bibelô cuja menor fissura pode significar a demissão da babá, um processo contra a escola, um drama desproporcional na família ou acusações mútuas em casos de pais separados. Enquanto isso, num passado recente, eu e meus contemporâneos nos esfolamos, nos quebramos (inclusive os dentes) e nos cortamos, entre outros traumas mais ou menos graves. E a consequência foi, ainda, ficar de castigo.

Por fim, ainda temos a confusão entre a educação física e o esporte. Cabe ao profissional alertar que são conceitos diferentes, ainda que complementares. Um desenvolve capacidades gerais, a famosa inteligência motora. Do mesmo modo como é mais fácil aprender uma terceira língua depois da segunda, é mais rápido reproduzir novos fundamentos quando se encontra relações com experiências motoras conhecidas. Depois, quando há um claro pendor (ou desejo), será o momento de se tornar especialista num só esporte. Com vantagens.

Os pais precisam ficar em alerta para o risco do tal analfabetismo motor. Isso influencia da inteligência à autoestima. Mais tarde, a vida real cobrará essa conta. Vida real? – pergunta alguém. Sim! Pois os avatares dessa turminha são ágeis, habilidosos, valentes, fortes, equilibrados, espertos e mortais. Tudo o que gostávamos de ser fora dos videogames.


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19.9.12

Coluna do Metro Porto Alegre em 19.09.2012


007 PERDE LICENÇA PARA ENCANTAR
A mais longa, célebre e lucrativa franquia cinematográfica completa 50 anos: as aventuras do agente secreto James Bond. Criada por Iam Fleming em 1953, foi adaptada pela primeira vez para as telas em 1962 no filme "O Satânico Dr. No", com o espião na pele do ator Sean Connery. De lá para cá, seis intérpretes viveram o papel e mais de 20 filmes oficiais foram produzidos. Mas o tempo deixa suas marcas.
Dá para saber a que geração alguém pertence perguntando qual foi seu primeiro Bond. Adianto o meu: "007, o Espião que me Amava", de 1977. Levarei para sempre na memória a cena inaugural: uma ágil perseguição de esquis na neve austríaca, culminando no salto da montanha, quando se abre o paraquedas com a bandeira britânica. E a música-tema de Monty Norman, com sua guitarra inconfundível na sensualíssima abertura com sombras de mulheres nuas, tiros e fugas. Recém-chegado na adolescência, enlouqueci!
Talvez por isso meu Bond preferido seja Roger Moore, ladeado no pódio por Sean Connery e Pierce Brosnan. O que me agrada em Moore é a canalhice explícita que dota o personagem. Numa análise distanciada, e depois de ter conferido os filmes anteriores e posteriores, considero aquela leveza de James Bond como o desejo inconsciente (ou plano sutil) de aliviar as gravíssimas tensões da Guerra Fria, ainda no apogeu naquele momento.
Sejamos honestos: o espião ganhara licença para matar em defesa do Ocidente capitalista. Nesse mesmo filme, o conflito gira em torno das armadas nucleares soviéticas e norte-americanas, cujo poderio estava por ser manipulado por um vilão inescrupuloso interessado em chantagear os dois lados, convenientemente unidos quando a linda agente russa Anya Amasova torna-se amante de Bond. Na política as partes não se entendiam, mas na alcova o enlace estava garantido.
Os britânicos comemorarão a data com a extensa viagem de uma caixa dourada contendo os 22 filmes já exibidos dentro de aviões, trens, automóvel, navio e até a pé. Nela, atores que participaram das filmagens serão protagonistas da aventura real. Tudo coincidirá com o lançamento do 23º filme oficial, terceiro a ser estrelado por Daniel Craig, um destruidor brutalizado e frio que em nada se irmana ao enigmático Connery, ao divertido Moore, ao sedutor Brosnan.
Assim que estamos: a luta do bem e do mal, seja em Londres, Moscou ou nas ruas de Porto Alegre, perdeu de vez o charme. A crua realidade parece ter matado o encantamento. Todos, agora, parecem vilões. Até 007.

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14.9.12

Dou voltas e Caio

Número 490

Rubem Penz

Foram tantas voltas feitas que deixei para escrever a crônica em cima do laço, na véspera, depois dos 40 do segundo tempo. Não é meu hábito, contudo a semana foi especialmente corrida, temperada com algumas novidades – entre elas uma pequena viagem e a interinidade para comentários sobre literatura numa importante emissora FM (BandNews). Nada do outro mundo, mas atividades que demandaram uma concentração mais apurada pelo caráter inaugural. E esse texto foi ficando para depois, para daqui a pouco, para agora. Quase que para ontem.

Porém, como sou alguém de muita sorte – o que jamais dispensa boas doses de juízo –, calhou de estar lendo um livro de crônicas recém-lançado, que folheio pelas bordas para não queimar a alma. Mais: decidi falar sobre ele na rádio, aguçando os sentidos para oferecer algo mais consistente do que o número de páginas ao ouvinte. Melhor: o autor estaria completando 64 anos durante a semana (em 12 de setembro), elevando a escolha ao patamar de efeméride. Perfeito: interrompi a leitura no exato instante em que o grande escritor queixa-se da urgência do gênero, cujo espaço no jornal aguarda nossas palavras.

Estou falando de Caio Fernando Abreu, autor gaúcho de envergadura universal, e seu A vida gritando nos cantos (Ed. Nova Fronteira, 2012). A obra é uma compilação de crônicas publicadas originalmente no O Estado de São Paulo, entre 1986 e 1996, textos galgando o suporte livro pela primeira vez. Uma publicação encorpada que talvez merecesse melhor cuidado em termos de artes gráficas – não que esteja ruim, apenas faria jus a mais. Para não deixar essa parte em todo desmerecida, a fonte escolhida – Brioni – é de confortabilíssima leitura.

De tudo de bom que se possa falar da prosa de Caio F., quero destacar sua virtude enquanto cronista: ele tem o dom de nos transformar em seus amigos achegados. Quase confidentes. Sua construção epistolar e intimista faz sumir o fato de que escrevia para milhares de leitores – parece que somos dois a trocar segredos, que o mundo inexiste. E olha que sequer o conheci em pessoa. De uma linha para outra, falando de si, comentando as angústias do cotidiano paulista dos anos 1980, desconfio que ele saiba de mim também. Muito impressionante. Quase mágico (palavrinha gasta, mas foi a que veio no momento e preciso terminar a crônica).

O título do livro – A vida gritando nos cantos – é um fragmento da crônica Querem acabar comigo, página 90. Nela, ele confessa a dificuldade em oferecer um bom texto ao leitor, uma produção de valor estimável, descrevendo um pouco de sua rotina. Adorei constatar (novamente) que não sou o único a sofrer a dor necessária para que a obra valha o investimento de quem se dispõe a nos acompanhar semanalmente.

Obrigado, Caio: se não bastasse a ótima literatura, você caiu como uma luva para salvar meu prazo!

 


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12.9.12

Coluna do Metro Porto Alegre em 12.09.2012



CHORE, VOCÊ SENDO FILMADO
Há um famoso jardim japonês chamado Ryoan-ji – Templo do Dragão Pacífico –, datado do século 11 e roteiro frequente de visitas. Nele, não existem flores, árvores ou arbustos. É um jardim de areia e rochas. Porém, acima do exotismo de sua natureza, está uma curiosa particularidade: com quinze pedras em seu interior, apenas quatorze são visíveis. Isto é, não importa de onde parta o ponto de vista, uma das pedras estará oculta. Sempre.
Tamanho cuidado em posicionar as peças não pode ser interpretado como coincidência (tudo na cultura oriental parece suscitar lições). Uma das leituras possíveis é a de humildade: o todo jamais será revelado a quem quer que seja. Outra probabilidade recai sobre a certeza de que a verdade absoluta não existe. Também podemos tirar uma lição de fé: é preciso crer na décima quinta pedra sem jamais vê-la, comprovar sua existência, contar com ela. Isso até o domínio dos ares, até o lançamento de satélites, até o Google Hearth.
Hoje, uma criança no Brasil, Austrália ou Finlândia consegue ver Ryoan-ji sem sair de casa e por diversos ângulos, inimagináveis no século 11. Sobretudo, ângulos que subvertem a proposta arquitetônica original. O todo parece estar ofertado para qualquer um; a verdade é pleiteada pelos olhos artificiais que tudo veem; Divina pretende ser a ciência que prova sem crer.  No momento em que o mero infante pode tanto, quando todos nós podemos nessa medida, fica a dúvida sobre a magnitude da visão de quem nos espia de propósito e almeja vantagens com tal poder.
Constatar essa nudez global (e aqui não é chiste) deveria desestimular as pessoas a atenderem ao irônico pedido “sorria, você está sendo filmado”. Ainda que as lentes sejam consideradas vigilantes para nossa segurança, duvido das boas intenções. Fosse assim, a violência teria declinado, e não o contrário – ou você sai para rua de coração leve? Acompanhando o resultado das câmeras, a única certeza que me ilude é a de estar entregue à barbárie. Prometem paz e entregam medo.
Porém, forçado por uma esperança que se justifica apenas na fé, quero crer na invisibilidade da décima quinta pedra. Preciso desesperadamente acreditar na metáfora de Royan-ji. Algo está escapando da tecnologia e permanece oculto. E, quem sabe, é algo bom, capaz de acalmar os espíritos, destronar a cobiça, estabelecer a tranquilidade.
De onde me encontro, quatorze pedras mostram o contrário.

10.9.12

Oficinas com inscrições abetras

Rubem Penz abre inscrições para duas oficinas de crônicas
O publicitário, músico e escritor Rubem Penz oferece a partir de setembro duas oportunidades para quem deseja conhecer e praticar o mais ágil gênero literário: a crônica. Em suas oficinas, depois de breve estudo conceitual, os participantes partem para a produção que explora a grande variedade de estilos presente na obra dos grandes expoentes nacionais. Mais: servem de vitrine para quem deseja se candidatar para a oficina Santa Sede, crônicas de botequim em 2013, cuja produção lança uma antologia por ano.
Aperitivo Santa Sede – no Dado Garden Grill. Encontros quinzenais em setembro, outubro e novembro, sempre nas segundas-feiras, 20h – 22h. Ideal para quem nunca participou de oficinas literárias e deseja investigar seu talento. Também para quem usa a palavra escrita em sua profissão e visa qualidade de estilo. 2 vagas
Crônicas no Templo – promoção do Templo do Oriente. Encontros semanais em setembro, outubro e novembro, sempre nas terças-feiras, 20h30 – 22h15. Concebida para acomodar tanto os novatos em literatura quanto os autores que já participaram de oficinas de outros gêneros (contos, poesia, infanto-juvenil). 6 vagas
Rubem é cronista do jornal Metro Porto Alegre (entre outros veículos) e do Blog Rufar dos Tambores  www.rufardostambores.blogspot.com. Ministra oficinas desde 2008, com destaque para a Santa Sede, crônicas de botequim – cuja safra atual lançará a terceira antologia da série em novembro.
Serviço:
O quê:             Oficina Aperitivo Santa Sede
Quando:         Quinzenal, a partir de 17 de setembro, segundas-feiras, 20h
Onde:                         Dado Garden Grill, Shopping Praia de Belas, Porto Alegre
Valor:              Três parcelas de R$100,00
Informações
e inscrições:   rubempenz@gmail.com ou (51) 9123.5540
O quê:             Oficina Crônicas no Templo
Quando:         Semanal, a partir de 18 de setembro, terças-feiras, 20h30
Onde:             Templo do Oriente Kebaberia, Rua Cel. Bordini, 92, Porto Alegre
Valor:              Três parcelas de R$150,00
Informações
(51) 3325.6138





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6.9.12

Acordos para acordar

Número 489
Rubem Penz
Há uma supervalorização do momento em que vamos dormir. Desde pequenos, somos instigados a cumprir algumas regras ditas "facilitadoras". Quem se tornou pai (mãe) por esses dias bem sabe disso. Dos pediatras aos consultores especializados (com colunas de jornal ou comentários no rádio), passando pelos avós, muitos contribuem com receitas para a hora de deitar. Sagrados tornam-se nossos rituais pré repouso.
Uns recomendam diminuir a luz dos ambientes; desligar a TV, rádio, videogame ou computador; criar rotinas de economia de movimentos; colocar pijamas; escovar os dentes, fazer pipi e botar toda a família na cama ao mesmo tempo... Existem os adeptos ao copo d'água, outros receitam leite, todos desaconselham refeições pesadas e muita carne. E, claro, tem a turma que aconselha a leitura, já bem acomodados debaixo das cobertas.
Porém, o despertar ficará por conta de cada um. Eis um momento em que as receitas esbarram no particular e intransferível. Pode até ser impressão, mas não me lembro de ver o mesmo ímpeto para dar conselhos sobre como encarar o dia que nasce. Logo, para um instante de tamanha fragilidade, há um vazio institucional. No alvorecer, nos deparamos com o império da intuição, do particular.
Por isso, talvez, seja muito (muitíssimo) mais complicado acordar ao lado de uma nova companhia do que levá-la para a cama. Atire o primeiro travesseiro quem nunca teve o desejo de fazer sumir alguém que está ao lado pela manhã. Arrisco o palpite de que alguns solteiros empedernidos assim o são pelo pânico de ceder espaços em sua rotina matinal. Por outro lado, quando a intimidade começa a ser conquistada, o encantamento que separa o fechar e o abrir de olhos marcará a diferença entre a conquista do "felizes" e a garantia do "para sempre".
Há quem pule da cama feito um jato (falante e articulado), enquanto tem gente que deseja matar quem ouse romper o silêncio. Uns programam o despertador para muito antes da hora (e curtem a preguicinha), outros querem dormir até o último instante. Tem aqueles que precisam de café com mesa posta em contraste com os jejuadores. Há adeptos do banho para acordar e os que usam o banho para adormecer. Isso sem falar nos programados (planejam a roupa na noite anterior): gente que jamais entenderá quem baixa todo o guarda-roupa antes de decidir-se por uma mísera calça. Como conciliar tudo isso?
Assunto tão sério deveria constar em acordos pré-nupciais. Tipo, Artigo 1º: jamais fale comigo antes das nove horas. Ou: Quer café? Aprenda a preparar. Ainda: Esqueça as notícias – prefiro música clássica. Fica a ideia aos escritórios de advocacia.



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5.9.12

Coluna do jornal Metro 05.09.2012

BRASIL NAS PARALIMPÍADAS: VISIBILIDADE PARA DEFICIÊNCIAS
Nossos atletas paralímpicos estão, outra vez, empilhando medalhas.  Em cada novo dia dos Jogos de Londres, mais e mais bronzes, pratas e ouros. E, se não bastasse, já batemos recordes mundiais e sobrepujamos favoritos. Outra peculiaridade: ótimos resultados em atletismo. Na comparação com os Jogos Olímpicos, os paratletas brasileiros levam nítida vantagem.
Eis uma boa notícia, mas... É impossível que só eu fique intrigado com essa situação. Deve ter uma explicação para tal fenômeno. Vamos às hipóteses: a primeira, numérica, faria crer que vivemos em uma nação de aleijados. Nunca antes na história da humanidade um país teve tantos cegos, amputados e demais portadores de necessidades especiais para competir. Confere? Não. Então, deve ser por outro motivo.
Já sei: há políticas públicas e ações privadas de pleno amparo ao nosso deficiente (a patrulha politicamente correta abomina esse termo). Aqui, eles encontram estruturas preparadas para acolhê-los, facilitar suas vidas, corresponder às suas necessidades e, então, incentivá-los ao esporte. Confere? Quem anda nas calçadas de nossas cidades, sobe em ônibus ou entra em prédios sabe que não. O motivo é outro.
Quem sabe seja pelo fato de o brasileiro ser especialista em driblar dificuldades? Estamos esquentando... Afinal, ultrapassar obstáculos (reais e metafóricos) está no DNA do povo brasileiro. A malandragem, o jeitinho e o "se dar bem" seriam apenas subproduto de uma cultura de superação, de ir contra a maré. Logo, nossos portadores de necessidades especiais têm garra de sobra para alcançar o pódio Paralímpico, pois vivem no dia a dia a obrigação de vencer apenas por si. Tudo que os atrapalha, fortalece.
Esse raciocínio, por um viés torto, explicaria nosso fracasso nas Olimpíadas: no povo, só temos paratletas. Fique claro, porém: suas deficiências são extrínsecas – não lhes faltam membros ou sentidos. Capengas, subdesenvolvidas, obtusas são as condições de trabalho. Esporte na escola? Só para meia-dúzia (particular). Treinamento especial? Quando há, está distante dezenas de quilômetros de sua moradia. Incentivo? Só o da família (mais conhecido como sacrifício). Grandes patrocínios? Quando (se) for campeão.
A contraprova vem nas tantas medalhas no Hipismo, Vela e outros esportes elitizados ou midiáticos, onde há paridade com o Primeiro Mundo. Fora deste Olimpo, estão nossos deficientes. Ou melhor, nossas deficiências. E os heróis.

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