26.6.08

Número 270

AS VIÚVAS DE LUIZ FELIPE

Essa história não é minha: um amigo de um amigo (!) disse, certa vez, que preferia se relacionar com as mulheres separadas. Ele, que já não era jovem, evitava a todo custo as viúvas, pois era impossível superar a memória do falecido. Aos ex-maridos, em contrapartida, bastava um beijo mais ardente para estar em vantagem. Lembrei disso quando vi anunciada a saída do Felipão da Seleção Portuguesa, contratado a peso de ouro pelo Chelsea da Inglaterra: não queria estar na pele do próximo treinador desta esquadra, pois o que terá de viúvas em terras lusitanas não será bolinho...

Pode parecer exagero comparar o casamento entre duas pessoas e o consórcio entre treinadores e agremiações. Porém, igual a um contrato de união civil, o relacionamento entre técnico de futebol e clube é algo que sempre extrapola os cartórios ao ser contaminado por implicações passionais. Não é à toa que, ao menos no Brasil, a população vê com muito mais complacência o despir de uma aliança do que uma virada de casaca: no amor às cores não há espaço para traições.

Em ambos os casos, também, fatores externos estremecem os ânimos. Enquanto no casamento existe a sogra, os filhos, o aluguel, a colega de trabalho gostosa dando corda – ou o professor da academia acendendo a imaginação –, no futebol está presente a pressão da torcida, as fofocas da imprensa, o assédio de outras equipes, a posição na tabela do certame nacional etc. Assim, tudo o que poderia ser mais simples, torna-se cheio de conflitos, necessitando muito mais do que o bom e velho respeito mútuo.

Grande parte dos matrimônios de hoje termina em separação judicial. Algumas são consensuais: nada mais dá certo, o distanciamento se tornou intransponível, novos planos apareceram para atrapalhar. Há casos de rompimentos litigiosos, com uma das partes pisando feio na bola. Da mesma forma, na saída dos treinadores acontecem divórcios: os resultados não aparecem, as explicações não convencem mais, o amor acaba. Para o novo marido, esposa ou técnico, basta um buquê de flores, a vitória em um clássico ou aquele prato mais elaborado no jantar para reviver bons momentos.

Mas não é nada disso que ocorre com as saídas de Luiz Felipe Scolari de um time. Mesmo sendo um colorado apaixonado, acompanhei de perto o afastamento deste profissional do clube co-irmão porto-alegrense e garanto: a sensação de viuvez foi alarmante. Amigos tricolores cultivam o luto até os dias de hoje (e lá se vão muitos anos). A volta do Felipão, tida como uma espécie de milagre, significaria o retorno de anos de glória e felicidade perdidos para sempre. Houve outros importantes na vida deles, sim. Mas nenhum como o gringo com estilo paternal.

Então, é esta a bronca que o próximo treinador da Seleção Portuguesa enfrentará. Luiz Felipe não se separa simplesmente de um time: morre uma Era. Junto com ela, ficam as lembranças inesquecíveis e de difícil superação. Não será um jantar à luz de velas, uma goleada de 5X2 ou um bom esquema tático que darão conta. Por um bom tempo – para alguns a vida toda – a comparação será sempre desfavorável. O amigo do meu amigo evitava as viúvas a todo custo. Os profissionais do futebol não podem se dar a esse luxo. Mas que a tarefa é complicada, isso é.

Algo que não tem preço!

RUBEM, QUERIDO MESTRE,

AQUI VÃO MINHAS CONSIDERAÇÕES SOBRE TUA OFICINA. SÃO TOTALMENTE SINCERAS. SE QUISERES APROVEITÁ-LAS, NO TODO OU EM PARTE, OU FAZENDO MODIFICAÇÕES E CORRIGINDO O PORTUGUÊS, TE DEIXO À VONTADE.

A OFICINA DE CRÔNICAS DO RUBEM PENZ SUPEROU MINHAS EXPECTATIVAS. IMAGINAVA QUE, APÓS AS CONSIDERAÇÕES INICIAIS E ALGUMAS EXPLICAÇÕES SOBRE O GÊNERO, ESTARIA DOMINANDO O ASSUNTO. QUE ENGANO! HAVIA MUITO MAIS A APRENDER. RECEBEMOS FARTO E SISTEMATIZADO MATERIAL SOBRE OS DIVERSOS TIPOS DE CRÔNICA: COM ESTRUTURA DE CONTO, DE RESENHA, SOBRE DATAS E EFEMÉRIDES, EVOCANDO A MEMÓRIA E ASSIM POR DIANTE. ACOMPANHAVAM AS INFORMAÇÕES, FRAGMENTOS EXEMPLARES DE CRÔNICAS DE EXCELENTES E CONHECIDOS ESCRITORES.

QUANTO AO RUBEM, COM SUA MÃO DE MESTRE, NÃO SE LIMITOU A NOS INICIAR NAS TÉCNICAS. FEZ MUITO MAIS. AO APROVAR NOSSA PRODUÇÃO – COM GENEROSIDADE E ENTUSIASMO - OU AO APONTAR NOSSAS FALHAS E EQUÍVOCOS - SEMPRE OBJETIVO E GENTIL - NOS INCENTIVOU A NÃO DESANIMAR E PROSSEGUIR.
SEI QUE APRENDI MUITO, MAS NÃO TUDO, POIS O RUBEM - GRANDE CRONISTA - TEM MUITO MAIS A ENSINAR.

OBRIGADA, RUBEM!
MEU ABRAÇO AFETUOSO,
JUSSARA

20.6.08

Número 269

CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS

De nada adianta remediar as conseqüências sem, antes, combater suas causas. Estaríamos diante de um argumento perfeito e acabado para priorizar políticas públicas se não fosse um pequeno problema: em um país carente como o Brasil, causas e conseqüências estão emaranhadas de tal forma que fica difícil saber onde estão umas e outras. Assim, não tem ponta do fio que se puxe sem enforcar um laço logo adiante. Mas, em algum momento, alguém precisará enfrentar o nó.

Por exemplo: pichações e depredações de bens públicos são, claramente, conseqüências de uma comunidade com valores deturpados, impunidade, baixa auto-estima e falta de educação. Bom, mas valores deturpados são conseqüência da impunidade, que é uma das causas da baixa auto-estima, que, por sua vez, é uma das conseqüências dos baixos investimentos em educação causados, entre outras coisas, pelo enorme e constante dispêndio de capital na reconstrução e limpeza de bens públicos depredados em conseqüência da total impunidade causada por valores deturpados etc.

Outro caso: o número inacreditável de mortes no trânsito é, de forma consensual, conseqüência das manobras imprudentes de motoristas despreparados, alcoolizados ou impunes, dirigindo em vias mal sinalizadas e pouco fiscalizadas. Mas motoristas alcoolizados são conseqüência de vias pouco fiscalizadas, uma das causas da impunidade que permite aos motoristas despreparados fazerem suas manobras imprudentes às vezes causadas por deficiência na sinalização por falta de verbas em conseqüência do grande prejuízo causado por tantas mortes no trânsito de cidadãos produtivos e por aí vamos sem parar.

Vejamos outro problema: a corrupção. Ela só é possível graças à certeza de impunidade de agentes públicos e privados antiéticos com livre acesso às verbas de modo nada transparente. Acontece que a falta de transparência é conseqüência da ação dos representantes públicos corruptos, que agem a serviço de empresários antiéticos e que só existem por causa da impunidade que resulta da falta de transparência, que nasce no rastro do livre acesso às verbas por parte de agentes públicos mal intencionados que são resultado de um sistema corrupto alimentado por doses absurdas de impunidade...

Eu poderia ficar por muitas páginas elegendo um por um dos problemas brasileiros, identificando suas causas e concluindo que elas são, também, pura conseqüência. Porém, os três exemplos acima, vistos na ótica de um leigo, são mais que suficientes para dar a idéia do emaranhado em que vivemos. Para tornar o caso mais dramático, a cada ano o novelo cresce mais, se enreda mais, muito mais nos confunde.

Pensando nisso, lembrei (quisera esquecer...) do tempo de pescador: a mesma linha que alcança grandes distâncias quando arremessada de uma carretilha, nem atinge o chão quando forma um flash – também conhecido como cabeleira. Em outras palavras, na mesma população reside a capacidade de avançar ou enredar-se, bastando escolher entre a ordem ou o caos. Conforme nossos exemplos, uma cidade bonita e limpa poderia atrair turistas, que gerariam empregos, consumo e impostos, que aplicados em educação e infraestrutura fariam crescer a auto-estima e a consciência pública, esta última com a tendência a exigir estruturas políticas mais transparentes para repelir os representantes desonestos e punir quem se dispusesse a subornar o governo.

Bom, mas então basta encontrar os pichadores e depredadores e todos os problemas estarão resolvidos? Não. O raciocínio é o inverso: enquanto não se prevenir e punir sequer as pichações e depredações (crimes ridículos), o nó maior nunca será desatado. Causas e conseqüências, ações e reações, são as duas pontas da mesma linha.

12.6.08

Número 268

GRAVANDO

Hormônios. Aí está a desgraça do homem. É por causa deles que o macho da espécie não sossega, procura o acasalamento e, em sua forma mais radical, o casamento. Não sabe o perigo que corre... Sua fêmea, que também atende ao chamado da natureza, tem – em média – menor tamanho, menos força, agilidade e explosão. Em tese, estaria em franca desvantagem na união (até está, quando casada com um covarde). Porém, conta a seu favor com uma arma sorrateira – a memória invejável.

Quer uma prova? Pergunte ao homem a cor do vestido de sua mãe ao levá-lo ao altar. Não saberá. Depois, pergunte à mulher o máximo de detalhes sobre o vestido daquela prima em segundo grau que só foi convidada porque dificilmente viria do interior. Ela dirá até a cor da gravata do namorado atarracado que trouxe a tiracolo e se tornou o furor do buffet.

Pois é: gravar tudo é o grande poder das mulheres. E não se iluda pensando que estão ligadas apenas em detalhes frugais, como vestidos, sapatos e penteados. Ao contrário, o grande banco de dados é auditivo. Como isso acontece o tempo inteiro, mais dia menos dia os homens baixam a guarda, cometem inconfidências e se tornam reféns. Por exemplo, na vez em que o casal aguardava a audiência de conciliação para o divórcio amigável. Antes de entrarem, ela o chama para uma conversa ao pé do ouvido:

– Eu estava gravando tudo.
– Tudo? Quando?
– Sempre.
– Desde o começo?
– Ahã.
– Duvido!
– Pergunte, então...
– O que eu disse na primeira noite?
– “Não entendo: isso nunca aconteceu comigo antes”.
– Foi, é?
– Foi. E o que falou para a mamãe quando a conheceu, lembra?
– Claro que não!
– “Deveriam processar o cabeleireiro da Farah Fawcett-Majors”.

Diante do Meritíssimo, a esposa pede uma pensão escorchante, o apartamento, a casa na praia e as ações da Petrobrás. O marido consente sob o olhar incrédulo de seu advogado. Na saída, puxa a ex-mulher para um canto:

– Vem cá, tem um problema nessa história: eu não lembro de ter falhado na primeira vez.
– Quem disse que falhou? Foi ótimo, aliás.
– Mas, e a frase gravada?
– Você comentava sobre a rolha que se partira ao meio.

5.6.08

Número 267

GERAÇÕES

É seu primeiro apartamento. Novo: ele será, também, o primeiro a habitá-lo. Entre tantas providências a tomar, precisa instalar uma campainha. Por isso, o rapaz está diante do solícito proprietário da lojinha de ferragens da esquina.
– Por favor, eu gostaria de uma campainha. De preferência musical.
– Pois não... – diz o senhor, sorrindo por detrás do bigode branco. Abandona o balcão por instantes e retorna com o painel de opções.
– Musical, temos essa aqui:
Din-dom!
O jovem torce o nariz. Pergunta se ele não tem algo mais masculino. Partem para a segunda alternativa:
Tééééééééééé!
– Olha – o cliente quase se desculpa – isso não é nem parecido com o que eu estava pensando...
– Mas são boas campainhas, meu filho – interrompe o comerciante. – Muito duráveis, garanto.
O rapaz acreditava na qualidade das campainhas. O problema era que aqueles produtos estavam tecnologicamente muito distantes de sua rotina. Tira, então, o telefone celular do bolso e pergunta se o vovô – segundo suas próprias palavras – fazia idéia de quantos toques diferentes tinha o pequeno aparelho. E não espera a resposta:
– Trinta, meu senhor. Trinta! Eu ainda posso baixar quantos mais quiser via MP3. Compreendeu a diferença?
– Sabe – diz o vendedor, mexendo em alguns cartões de visita que tira da gaveta – até uns dias atrás eu ainda tinha uma campainha aqui que fazia trrriiimmm. Parecia um telefone, mesmo! O menino iria gostar. Posso lhe reservar uma, o representante passará na semana que vem.
O rapaz se enche de esperança:
– Vem cá, e com essa eu vou conseguir programar os toques? Tipo assim: no celular, quando é o meu irmão quem liga, toca Green Day. Se é a mãe, uma sirene – ri da própria malandragem.
O vendedor responde que não. Era só um trim, tipo de telefone. Mas que na casa dele já usavam toques personalizados:
– O meu filho, por exemplo, demora uns dois segundos entre o din e o dom. A filha também, mas segue com um din-dom rapidinho na seqüência.
O cliente emudece, perplexo. O comerciante, então, completa com orgulho:
– Viu? A gente sempre sabe quando é um ou outro!
O jovem finge espanto:
– Não acredito!
– É verdade! – ele responde sem ligar para a ironia. – E, na casa de um amigo meu, o sistema é ainda mais sofisticado. Ele ensinou o código Morse para a gurizada. Pouca coisa: só as iniciais. São cinco filhos e sempre se sabe quem está na porta!
O rapaz se desespera:
– Morse é museu! O próximo celular que eu comprar vai ser 3G. Terceira geração, sabe? Aí, vou poder olhar para quem me liga via internet, tipo videoconferência!
– Bom, mas essas campainhas já fazem isso sem ser de 3G.
– Ah, fazem, é?
– Claro!
– Como?!
– Só precisa instalar um periférico – diz, demonstrando conhecer um pouco do jargão digital. Pede licença com a mão e vai até a prateleira. Retorna com uma caixa minúscula e um sorriso imenso:
– Aqui está: um olho mágico!

Dicas musicais

Para quem gosta de música e quer conhecer algumas parcerias em que faço letras, indico as páginas de Dudu Penz www.myspace.com/dudupenz e Anne-Florence www.myspace.com/donaflormusic no My Space. Samba e Bossa Nova feitos na Suiça. E de altíssima qualidade!
Abraço,
Rubem