14.12.07

Número 245

Estou saindo de férias... Durante 3 semanas, o Rufar dos Tambores dará lugar ao mergulhar nas águas. Desejo um Natal de muita paz e um Ano Novo cheio de prosperidade! Boas Festas!

 

Natal de A a Z

A – Árvore. Pouco importa o tamanho: o ritual de montá-la com os filhos é delicioso;

B – Bicicleta. "Não esqueça da minha Caloi". Essa campanha publicitária fez parte de quantas infâncias?

C – Calor. A tradição impõe para dez entre dez Papais Noéis muito, mas muito calor no dezembro brasileiro;

D – Dívidas. Várias vezes fazem companhia às belas recordações durante longos meses;

E – "Espera até a meia-noite". Era isso que eu ouvia enquanto espiava embaixo da árvore, de olho nos presentes;

F – Felicidade. É o desejo mais freqüente. Às vezes vem maculada por lágrimas e saudade;

G – Guardanapos bordados. E toalha de linho, louça de porcelana, taças de cristal...;

H – Hóspedes. Natal é uma data que reúne famílias. Vai ver que foi daí que nasceu a gíria "peru" como sinônimo de hóspede;

I – Igreja. Convém fazer ao menos uma visita para compensar as dezessete ao shopping center;

J – Jesus. Sabe o menino na manjedoura? Lembre-se dele! É seu aniversário, afinal;

K – Kitsch. Há quem julgue o sentimentalismo natalício e a histeria comercial de última categoria;

L – Livros. Um dos melhores presentes para oferecer ao amigo secreto. A modéstia me impede de recomendar um em especial...;

M – Maria: cheia de graça, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da provável ressaca. Amém;

N – Noel. O velhinho que, apesar da boa fama, é quem recebe o dossiê com as peraltices infantis;

O – "Oh Tanenbaum, Oh Tanenbaum..."   Cânticos em alemão: uma das minhas lembranças familiares;

P – Peru (Meleagris Gallopavo). Ave da família Phasianidae. Ágil, dribla o destino: morre na véspera;

Q – Quebra-nozes. Instrumento de metal desenvolvido para partir a casca da noz. Está no fundo da gaveta, pode procurar;

R – Roupa de Natal. Era assim que nos referíamos à melhor peça do vestuário, aquela que não deveria ser usada no dia-a-dia;

S – Salada Waldorf. Adoro. E, parece mentira: entra ano, sai ano, só preparamos para o Natal e Ano-Novo. No fim, ganha gosto de festa;

T – Trenó. O batmóvel do Papai Noel. Veículo de tração animal capaz de voar. Mistura de carroça com cheque pré-datado;

U – Ubicuidade. A única palavra que explicaria a capacidade de o bom velhinho estar em todos os lares ao mesmo tempo;

V – Velas. Antes da eletricidade, iluminavam as árvores de Natal. Ainda hoje estão entre os mais belos adornos para a Noite Feliz;

X – Xará. Um bom negócio para homens na terceira idade é deixar a barba crescer e assumir a identidade de Noel. Isso, ou a ubicuidade.

Z – Zumbido. Som que se assemelha ao ruído de insetos. Presente nos ouvidos dos xarás de Noel ao terminar mais uma noite de trabalho no shopping center;

 

7.12.07

Número 244

CARTA DE UMA DEPENDENTE

 

Circula na imprensa mundial uma carta de revoltante contundência. Ela foi escrita por alguém dependente das drogas. Diz: "A vida aqui não é vida, é um desperdício de tempo"; "Aqui vivemos como mortos. Estou mal fisicamente. Não consigo comer, estou sem apetite, meus cabelos estão caindo em grande quantidade"; "Não tenho vontade para nada. Creio que esta é a única coisa boa...".

 

A mensagem, que serviria como uma luva para ser emitida por alguém que afundou no precipício da dependência química, é de Ingrid Betancourt, uma franco-colombiana que está há mais de cinco anos em cativeiro. Ela é refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC –, um grupo de narco-gerrilha. Enfim, sua liberdade depende da disposição dos barões da droga em negociar o resgate.

 

Suas dependências se resumem a uma rede e uma prateleira. Há três anos pede "um dicionário para ler, aprender algo, manter a curiosidade intelectual viva". As drogas que estão atrofiando o cérebro desta mulher são aquelas que a sociedade consome com uma hipocrisia inacreditável, e que sustentam a guerrilha. Talvez sua disposição em afrontar este sistema perverso quando candidata à presidência da Colômbia tenha sido determinante no momento do seqüestro. Com certeza a disposição social em continuar consumindo drogas ilícitas, ou de mantê-las como mercado criminoso, perpetua sua tragédia.

 

Ingrid é uma dependente em todos os sentidos. Depende da civilidade dos guerrilheiros e dos companheiros de martírio para se manter íntegra – é a única mulher em seu grupo. Depende do julgamento alheio – e sumário – para viver ou morrer. Depende dos movimentos do Exército Colombiano para ficar ou partir às pressas do acampamento. Depende da comida que lhe alcançam, das roupas que ainda tem, de um mosquiteiro para não ser devorada por insetos na Selva Amazônica. Mas depende também do esforço do governo em subjugar os criminosos, depende das orações e da esperança dos amigos e parentes, depende de uma imprensa livre e disposta a denunciar seu estado de sofrimento.

 

A inter-dependência entre os crimes de seqüestro (e os assassinatos, os latrocínios, os roubos à mão armada, a corrupção) e o consumo de drogas não pode ser mais evidente. Ela já foi alvo de campanhas publicitárias diretas e indiretas, é um discurso recorrente entre as autoridades da segurança pública e, mais do que nunca, foi amplificada no filme "Tropa de Elite". Os usuários de drogas fazem de conta que uma coisa não está ligada à outra. Porém, desde sempre, o dinheiro que sustenta a máquina tem origem na compra da cocaína, da maconha, do ecstasy. O destino dos prisioneiros das FARC depende, sim, do cardápio daquela festa bacana para a qual você poderá ser um dos convidados.

 

Morro de pena dos dependentes de drogas – pessoas que, entre nós, corroem sua vida social, sua saúde, sua família. Lamento, também, a existência de uma moral torta entre os usuários não dependentes – gente disposta a aspirar princípios em troca de um delírio químico fugaz. Contudo, nenhum destes casos é mais grave do que o de Ingrid Betancourt: alguém que, em suas próprias palavras, vive como uma morta. Dependente da droga que ela não consome. Consumida pela droga de quem dela depende.