28.6.07

Número 221

 

TRÊS AMIGOS

 

São três amigos inseparáveis: um, sempre o sujeito certo na hora errada; o outro, aquele errado na hora certa; o cara certo na hora certa é o terceiro. Para cada um deles, o destino prega peças ou favorece. Depende. Assim como depende o futuro para cada um, todos com a sua sina.

         O primeiro parece toda vez estar preparado para as oportunidades que não chegam. Ele não tem preguiça de empreender, nunca lhe faltou capacidade ou dedicação. Ao contrário, é julgado pela maioria dos amigos como uma espécie de gênio incompreendido, alguém meio fora do tempo. Seus projetos não avançam, mas, vira e mexe, todos se surpreendem com algo quase igual acontecendo em outras mãos.

         O segundo, por sua vez, não sabe do que não é capaz. Logo, aceita desafios fora do seu alcance. Como é de se esperar em casos assim, acaba galgando êxitos inexplicáveis até mesmo para o próprio. Quando lhe perguntam como faz, afirma – inocente – que vai aprendendo na hora, deixando fluir... Porém, fica a impressão de que tudo seria mais fácil ou melhor resolvido se, na hora certa, ele tivesse se preparado melhor. Esta hora é aquela que fica sempre para trás.

         O terceiro é o cara com uma parte da anatomia virada para a lua. Tudo que escolhe é o melhor, onde chega é bem-quisto, o sucesso o precede e acompanha. Casou com a mulher ideal e, mais importante!, passa a impressão de que ela é quem tirou a sorte grande. Se chega a errar nas escolhas, as conseqüências não lhe prejudicam demais e servem de ótimas lições – algo preparado pelo destino para valer de escada para um acerto vindouro. Corre riscos calculados e acerta a matemática do improvável.

         Os três vivem aqui dentro de mim. Se alternam no comando das ações e costuram as coincidências com o fio do livre arbítrio. Cada um teria motivos para se queixar do outro, seja por sua boa ou má sorte, quem sabe pela imprevidência. Mas são amigos, como já disse. E amigos têm a capacidade de aceitar, perdoar e compreender. Além do mais, se fazem companhia, pois a vida perde a graça quando se está só. Quando olho para o passado, sei direitinho qual deles me aconselhou.

         Com relação ao futuro, um problema: nunca consigo escolher com qual dos três amigos vou dialogar para escolher o próximo passo, pois se parecem demais um com o outro (e todos eles comigo). Mas nem por isso deixo de seguir a intuição, um farol que, com a benção do Céu, nunca me tem faltado. E será assim para sempre. A menos enquanto não aparecer uma quarta personagem, aquela que estraga o dia de qualquer um: o cara errado na hora errada!

 

***

 

         Por falar em amigos, espero encontrar com muitos no dia 3 de julho, no Z Café do Iguatemi, às 19 h, para o lançamento de O Y da questão e outras crônicas . Afinal, os três aí de cima estarão me acompanhando nos autógrafos e, por isso, não poderão me ajudar fazendo número na fila... Já o cara errado na hora errada, este, tomara que continue sem aparecer!

21.6.07

Número 220

 

HISTÓRIAS PARA ACORDAR

 

E ra uma vez, num reino longínquo, Mamãe, chefão do morro que o bosque margeia. Um dia, chamou a bela Chapeuzinho Vermelho para sua casa. Precisava alguém de menor para levar a cesta de doces para a Vovozinha, que morava dali distante. A tal senhora já andava doente pela casa, tanta a vontade de consumir uma cocadinha.

 

Mamãe não queria correr riscos. Na Via-bosque, expressa, era constante a presença de Lobos. Por isso, orientou Chapeuzinho a seguir o caminho do rio, "longo, mas totalmente limpo". Vovó que esperasse. A menina apanhou a cesta e partiu, feliz com o dinheiro por descolar. Cantava:

 

– Pela estrada afora, eu vou, bem sozinha, levar esses doces para a Vovozinha...

 

A pobre Chapeuzinho Vermelho desconhecia até a mais célebre fábula infantil (evasão escolar era comum naquele reino). Então, desobedeceu Mamãe em busca da trilha mais breve. Bem como o previsto, antes da terceira curva, Lobo apareceu. Queria explicações.

 

        Você aí, como se chama?

        Chapeuzinho Vermelho – respondeu, cândida.

        E, na cesta, vai o quê? – perguntou, enquanto erguia o guardanapo de linho com delicadas bordas em crochê azul turquesa.

 

Sem poder escapar da revista, a menina tratou de eximir-se de culpa.

 

        São doces, mas não são meus... Mamãe quem me entregou. Vão para a Vovozinha, doente, coitada.

        Ah, bom! – respondeu Lobo, passando a mão no ombro de Chapéu para uma conversa em particular. – Então vamos fazer um negócio: Me dá o endereço da tal Avó, e eu garanto a passagem. Se lhe abordarem, diz que já falou comigo, ok? E, se Mamãe ligar no meio tempo, fala que encontrou um Lobo Mau e tudo bem. Tudo sob controle...

 

Dito e feito. Chapeuzinho Vermelho seguiu a Via-bosque animada com o salvo conduto que recebera. Porém, a menina ignorava o fato de o Lobo ter se adiantado por um atalho até a casa da Vovozinha. Lá, prendeu-a e armou um flagrante, deitado na cama, fazendo-se passar por Vovó.

 

Como todos já conhecem o diálogo do nariz tão grande, vamos direto ao que ocorreu depois: Lobo Mau, na verdade um Cordeiro disfarçado, anunciou a prisão da menina e apreensão da cesta. Todavia, no instante em que deu o bote, um caçador munido de informações privilegiadas – a serviço de Mamãe – iniciou violenta reação. Na troca de tiros, morreram Chapeuzinho, Vovó e o Porquinho caçula. Bala perdida. Atravessou fácil a parede de palha de sua casa, em arquitetura campestre.

 

Imoral na história: Mamãe não chorou a morte de Chapeuzinho. O caçador sumiu. Nos jornais, sequer foi citado o nome da Vovozinha. Para o Porquinho do meio permanecer tranqüilo em seu sobrado, será necessário blindá-lo, especialidade da firma de engenharia do competente primogênito – Porquinho capitalista, riquíssimo. E, de concreto sobre o episódio, apenas o inquérito para apurar se a bala que alvejou o inocente suíno partiu da arma do Lobo Mau. Digo, do Cordeiro. Até segunda ordem, suspenso.

20.6.07

CONVITE



15.6.07

Lembrete

DIA 03 DE JULHO, Y DA QUESTÃO NO Z CAFÉ IGUATEMI 

Número 219

 
 

O RELÓGIO DE OURO

 

Tenho hoje no pulso o relógio que era do meu falecido pai. Ocorreu o mesmo com ele, primogênito em sua casa. Só meio diferente: coube-lhe o relógio do meu avô com vinte e poucos anos. Dessa passagem, sei apenas o que me foi contado, pois na época eu era vaga especulação biológica. Agora, entendo que, quando meu avô faleceu, o pai morreu um pouco com ele também. Sei disso por essa pequena morte que levo no braço. E sei que ele, por ter sido órfão bem mais jovem, morreu muito mais do que eu neste momento da vida.

 

O relógio do meu avô era de ouro. Como disse, mudou-se para o pulso do filho muito adiantado. Não estava nem perto de ser a hora, e o relógio já marcava-lhe o destino. E se a hora estava errada, o destino sofreu muitas alterações. Esse tempo que não existiu matou grande parte dos sonhos do meu pai. Precisou de muitos, mas muitos anos para ele acertar os ponteiros de suas próprias metas. Chegou a temer faltar-lhe as horas para este intento. Me consola ser a testemunha de que partiu em dia com a vida. Só quisera ter sido um pouco mais tarde.

 

O nobre metal que emoldurava o relógio do meu avô foi um fardo para aquele braço jovem. Tanto que o pai acabou perdendo-o numa caçada – história que ouvi dezenas de vezes, dita com um ruminante e inconformado sofrimento. No fundo, é provável que o relógio nunca tenha chegado a lhe ser justo no pulso. E afundou, justamente, em um banhado, como quem busca a sepultura. Mas quem disse que ele deixou o pulso do pai? Não: mesmo ausente, pesou-lhe para sempre o infortúnio.

 

O relógio que me coube não é o de ouro. Muito melhor não ser aquele. Rogo para que não seja! Espero ter recebido o relógio certo, bem no tempo. A relíquia cujo maior valor seja estimativo, que mesmo em que pese na saudade, seja leve na lembrança. Um relógio que me informe as horas, os minutos e os segundos como quem fala de outros tempos. Que me oriente do mesmo modo como meu pai fazia, para que minhas futuras mortes sejam mais suaves, chegadas na hora marcada.

 

Agradeço à mãe por estar com esse relógio no pulso, agora. Influenciou em sua decisão o fato de eu mesmo tê-lo presenteado ao pai, cinco ou seis Natais atrás. E não lhe parecia justo o relógio parar na gaveta. A mãe sempre conta, emocionada, que o pai pedia muito pelo relógio quando estava na UTI – um dos tantos carinhos proibidos no hospital. Lá, só o relógio de ouro se fazia presente, assombrava-lhe o pulso, marcava a hora da morte. Aquele mesmo que nunca deveria ter sido seu tão cedo. E que o pai findou por devolver para o meu avô, quero crer, em justa hora.

7.6.07

Número 218

 
 
DIA 03 DE JULHO, DIA DE Y NO Z

TEMPO PARA NAMORAR

 

Anos 50 – Ao som de Elvis Presley, José pede Maria em namoro. A moça, antes de pensar em aceitar, precisa falar com a mãe. A mãe, antes de permitir, consulta o marido. O marido, antes de mais nada, pede para conhecer o tal rapaz. José se apresenta ao pai de Maria. Sofre um interrogatório severo: se estuda ou trabalha, filho de quem é, quais são as suas intenções. Sabe das regras para freqüentar a casa – um lar de família. Para saírem juntos, apenas na companhia da tia Dulce, e olhe lá.

 

Anos 60 – Ao som dos Beatles, José pede Maria em namoro. A moça aceita e passam a se encontrar às escondidas, atrás da Igreja. Também a namorar nos recantos discretos dos salões de baile. Até que o fato, em forma de fofoca, chega aos ouvidos dos pais dela. Maria fica um mês de castigo, em casa. Durante este tempo, troca bilhetes de amor eterno com José e convence a mãe de quanto o ama. Quebrada a resistência, a mãe passa a argumentar com o marido, que enfim aceita receber José para um almoço. José pede Maria em namoro outra vez, agora oficialmente. Recebem a permissão. Mas andam sob o olhar vigilante de Mário, irmão de Maria.

 

Anos 70 – Ao som dos Jackson Five, José pede Maria em namoro. A moça aceita e José passa a buscá-la na escola, a combinar sessões de cinema e tardes no parque. Freqüentam reuniões dançantes e festas de clubes, trocando carícias nos recantos mais escuros dos salões. Quando já estão firmes, e com os rumores já ecoando nos ouvidos da família, resolvem assumir o compromisso, dando a notícia em casa. O pai dela consente, desde que não atrapalhe nos estudos: baixando as notas, o castigo será ficar em casa. E estipula meia-noite como horário limite para a menina estar em sua casa (ou José fora dela).

 

Anos 80 – Ao som do Pink Floyd, José e Maria começam a namorar. Uns dias depois, ela avisa em casa que vai para uma praia de Santa Catarina no feriadão com a turma. O pai pergunta quem mais vai. Ela cita as amigas de sempre e "mais um pessoal". José faz parte do pessoal, é claro.Todos se encontram na Estação Rodoviária. Logo depois, em um camping de Bombinhas, Maria e José dividem a barraca Brisa II. Na volta, José passa a freqüentar a casa de Maria e chamar o pai da moça de Sogrão . Terão alguns meses pela frente para que os pais se acostumem com a idéia de eles passarem o próximo verão acampando juntos. O que de fato acontece.

 

Anos 90 – Ao som do U2, José e Maria mudam da categoria "ficante fixo" para namorados. Nessas alturas, José já está cansado de freqüentar a casa da família. A diferença é que ele passa a, eventualmente, dormir lá também, para o desespero do pai. A mãe diz ao marido que eles não estão fazendo nada diferente do que os dois já fizeram. O pai diz ser essa a razão do desespero. Mas, fazer o quê? Na rua anda tudo tão perigoso... Ao menos conhecem o rapaz e Maria gosta tanto dele. José e Maria atam e desatam o namoro dezessete vezes.

 

Ano 2000 – Ao som dos Beatles, José pede Maria em namoro. Ela, antes de pensar em aceitar, precisa falar com os filhos...

 

 

TEMPO PARA NAMORAR – Trilha Nacional

 

1950 – Ao som de Elizeth Cardoso, José pede Maria em namoro. A moça, antes de pensar em aceitar, precisa falar com a mãe. A mãe, antes de permitir, consulta o marido. O marido, antes de mais nada, pede para conhecer o tal rapaz. José se apresenta ao pai de Maria. Sofre um interrogatório severo: se estuda ou trabalha, filho de quem é, quais são as suas intenções. Sabe das regras para freqüentar a casa – um lar de família. Para saírem juntos, apenas na companhia da tia Dulce, e olhe lá.

 

1960 – Ao som de Roberto Carlos, José pede Maria em namoro. A moça aceita e passam a se encontrar às escondidas, atrás da Igreja. Também a namorar nos recantos discretos dos salões de baile. Até que o fato, em forma de fofoca, chega aos ouvidos dos pais dela. Maria fica um mês de castigo, em casa. Durante este tempo, troca bilhetes de amor eterno com José e convence a mãe de quanto o ama. Quebrada a resistência, a mãe passa a argumentar com o marido, que enfim aceita receber José para um almoço. José pede Maria em namoro outra vez, agora oficialmente. Recebem a permissão. Mas andam sob o olhar vigilante de Mário, irmão de Maria.

 

1970 – Ao som de Rita Lee, José pede Maria em namoro. A moça aceita e José passa a buscá-la na escola, a combinar sessões de cinema e tardes no parque. Freqüentam reuniões dançantes e festas de clubes, trocando carícias nos recantos mais escuros dos salões. Quando já estão firmes, e com os rumores já ecoando nos ouvidos da família, resolvem assumir o compromisso, dando a notícia em casa. O pai dela consente, desde que não atrapalhe nos estudos: baixando as notas, o castigo será ficar em casa. E estipula meia-noite como horário limite para a menina estar em sua casa (ou José fora dela).

 

1980 – Ao som de Djavan, José e Maria começam a namorar. Uns dias depois, ela avisa em casa que vai para uma praia de Santa Catarina no feriadão com a turma. O pai pergunta quem mais vai. Ela cita as amigas de sempre e "mais um pessoal". José faz parte do pessoal, é claro.Todos se encontram na Estação Rodoviária. Logo depois, em um camping de Bombinhas, Maria e José dividem a barraca Brisa II. Na volta, José passa a freqüentar a casa de Maria e chamar o pai da moça de Sogrão . Terão alguns meses pela frente para que os pais se acostumem com a idéia de eles passarem o próximo verão acampando juntos. O que de fato acontece.

 

1990 – Ao som de Marisa Monte, José e Maria mudam da categoria "ficante fixo" para namorados. Nessas alturas, José já está cansado de freqüentar a casa da família. A diferença é que ele passa a, eventualmente, dormir lá também, para o desespero do pai. A mãe diz ao marido que eles não estão fazendo nada diferente do que os dois já fizeram. O pai diz ser essa a razão do desespero. Mas, fazer o quê? Na rua anda tudo tão perigoso... Ao menos conhecem o rapaz e Maria gosta tanto dele. José e Maria atam e desatam o namoro dezessete vezes.

 

2000 – Ao som do Caetano Veloso, José pede Maria em namoro. Ela, antes de pensar em aceitar, precisa falar com os filhos...