29.11.11

Da série "Achado não é roubado"

Para a curiosidade, basta uma fresta. Ao desinteresse, nem todo horizonte será capaz de seduzir.

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25.11.11

Efeitos sonoros

Número 449

Rubem Penz

Os aparelhos eletrônicos estão cada vez mais integrados, uns servindo de plataforma para outros. Nesse espírito, resolvi unir o GPS do carro com os pedais de guitarra só para ver o bicho que dava. Pura curiosidade. Deu certo? Tire suas próprias conclusões:

Mixer. Um dos recursos de pedal é o de misturar outros timbres ao som original do instrumento, vindos de outras fontes. Quando usado no GPS, fez com que o Fernando e a Ângela (duas das possibilidades de locutores programados) falassem ao mesmo tempo. Porém, no primeiro comando uníssono de "vire levemente à esquerda", surgiu uma retroalimentação estranha: o Fernando disse que falou primeiro e a Ângela respondeu que nada disso, fora ela, com certeza. Então Fernando disse que ela nem sabia a diferença de direita e esquerda, quando Ângela acusou Fernando de machista... E, enquanto não desliguei o efeito, as duas vozes ficaram batendo boca. Ponto negativo.

Reverber. Para quem não sabe, a reverberação é utilizada para gerar um efeito de ambiente ao som, que por vezes aparece seco e sem nenhum brilho. Quando exageramos, parece que tudo está sendo dito no meio de um corredor vazio, numa catedral ou num banheiro... Algo como "vihrehhh lehvehmentehhh àhhh esquehrdahhh". Na medida certa, porém, deixa os enunciados mais encantadores. Por isso, seu uso foi aprovado com louvor: o GPS com reverber tornou-se capaz de fazer com que o habitáculo de qualquer Uno Mille ficasse parecendo espaçoso e imponente como o de uma limusine. Ponto positivo.

Distorção. Altamente rock n' roll! Imaginei que a tal Ângela pareceria a Janis Joplin cantando Mercedes-Benz, e, Fernando, o Brian Johnson no Black in Black. Tudo que desejava era um efeito "arranhado" no som, ou algo bisonhamente parecido. Porém, por desígnios misteriosos, a distorção foi mal compreendida pelo circuito e acabou aplicada no sentido das frases. A cada nova direção, o GPS dizia: "inunde a pia sem pressa", "arranhe as paredes pela metade", "adube a lata de aspargos". Cá para nós, eu sempre achei o uso de muita distorção uma grande uma droga, mesmo. Só não imaginava que seria alucinógena! Ponto negativo.

Pitch shifter. Agora sim: valeu muito a experiência! Se o motorista estiver cansado da voz de comando, basta alterar o GPS para outro tom, mais alto ou mais baixo. Alguma coisa como o Fernando soar ora como Arnaldo Antunes, ora como Netinho. E a Ângela variar de Tetê Espínola até Cássia Heller. Além do mais, a melodia das vozes sintetizadas, tão monótona quanto aquelas de aeroporto, ganhou a vantagem de sair sempre afinada, sem jamais semitonar. Ou, no caso, semimonotonar! Ponto positivo.

Delay. Este efeito é algo como um atraso, uma espécie de retardo entre o instante em que o som é emitido e o momento em que escutamos. E, de todos os recursos da tal pedaleira testados no GPS do carro, foi o de pior resultado. Nada pode parecer mais irritante do que alguém (no caso uma máquina) ficar nos dizendo: "você deveria ter dobrado levemente à esquerda no cruzamento"; "você deveria ter contornado o viaduto"; "era naquela outra saída de estrada à direita"... Ou, quando finalmente anuncia a chegada, concluir: "você passou duzentos e cinquenta metros do seu objetivo". E aconteceu bem assim. Ponto negativo? Na prática, sim. Mas, como lição, teve seu valor: nem mesmo a melhor orientação tem utilidade quando chega depois do tempo.


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18.11.11

No velório

Número 448

Rubem Penz

Amigos reunidos. De todos, morrera aquele considerado mais sábio. Quem tinha a frase certa para cada momento, a última palavra, o tom. Alguém quebra o silêncio:

– Ai, ai... Se não fosse assim, seria de outro jeito.

– Se não fosse assim, seria diferente.

– O que você disse?

– Eu disse que se não fosse assim, seria diferente, e não de outro jeito. Era assim que ele dizia.

– Então, se era diferente, era de outro jeito também.

– Não banque o esperto: se não fosse assim, seria diferente. Seja fiel à memória.

– Mas, e se não fosse? Não seria, por exemplo, de outro jeito?

– Sei lá, acho que sim.

– Pois foi o que eu disse: se não fosse assim, seria de outro jeito...

– Tá, que seja... Mas é você quem diz de outro jeito. Ele, dizia diferente.

– Diferente de quem? De mim ou de você?

– De você, óbvio. Ele dizia de outro jeito – de outro jeito!

– Se ele dizia de outro jeito, então dizia do mesmo modo como eu disse.

– Não! Você disse diferente!

Você disse diferente. Nós dissemos de outro jeito.

– Não adianta, se ninguém dá o braço a torcer, tiramos a prova perguntando adiante. Afinal, todos o conheciam tão bem quanto nós. Pode ser?

– Ok, sabidão. Vai, pergunte.

 

– Olá, com licença. Conhecia o falecido, né? O jeitão dele... Responda, por favor, se não fosse assim, seria...? Seria...? Seria... Hum?

– De infarto?

– Nãnãnã. Não é isso. A senhora não entendeu. Obrigado.

– E você, você aí, diga: se na fosse assim, seria...?

– Cremado?

– Não, bocó: diferente!

– Embalsamado?

– De outro jeito! Diz: de outro jeito!

– Doado à Faculdade de Medicina?

– Desisto! Então, que seja de outro jeito, como você tanto quer.

– Nada disso: agora eu faço questão que seja diferente.

– Vocês dois, por favor, silêncio! Respeito é bom e eu gosto!

– Respeito é bom e conserva os dentes.

– O que você disse?

– Respeito é bom e conserva os dentes. Era assim que ele dizia...


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10.11.11

Pedágios

Número 447

Rubem Penz

Há um sonho

Viagem multicolorida

Às vezes ponto de partida

E às vezes porto de um talvez

Tony Tornado

Já diziam os filósofos Milionário e José Rico que "nessa longa estrada da vida, vou correndo e não posso parar". É caminho sem volta. Relógio? Naquela placa cujos ponteiros estão proibindo o retorno. Uns vão com pressa: pé no fundo. Outros, descendo a Serra com freio motor. Tudo é passageiro (menos o cobrador e o motorista). Pelo retrovisor, o reflexo da saudade. No pára-brisa, muito mais do que insetos mortos: projetos com as vísceras espalhadas por não terem nos encontrado no mesmo sentido – e isso tudo só embaça o vidro caso se queira limpar de forma descuidada.

No rádio, alternância entre notícias do mundo, previsão do tempo, condições das estradas, bloqueios... Um manancial de informações que, se bem compreendidas, resumem-se numa única mensagem: vá devagar porque correr não adianta nada. Mas há os que correm, há os que morrem. A alternativa sonora é contar com a companhia da música. Cantar junto num karaokê solitário que, mesmo desafinado, espanta o sono. Parênteses: música de qualidade pode relaxar até o ponto de adormecermos, o que é ótimo numas circunstâncias e péssimo noutras.

Sair da freeway vez que outra é uma possibilidade a ser considerada. Estradas vicinais têm seu charme. Cruzam serpenteando pelas entranhas de localidades deslocadas do tempo, temperadas de modo caseiro, veladas, macias. De tanto em tanto, aquela passagem de nível com um menino meio sentado numa bicicleta, só olhando o movimento. Dá vontade de abanar para ele, que parece o mesmo de sempre, em todo lugar. Parece conosco, também, em outra dimensão, pronto para sumir no fade out do Efeito Doppler. Nem adianta procurar o espelhinho: o guri não estará mais lá ao passarmos adiante.

Há, é claro, os pedágios... A vida, que não é nosso destino e sim nosso caminho, cobra algumas contas. Não escapamos das cancelas nem em sonho: algo, ou alguém, denunciará o passado. E vem a fatura.

Por exemplo: numa recente entrevista na rádio, subitamente (e, pior, por minha provocação), foi-me alcançado um tíquete. Pela memória infinita de um grande amigo, toda audiência soube que, no início dos anos 1970, eu cantava BR3 imitando o Tony Tornado. Também Jesus Cristo, à lá Roberto Carlos – o que, diante da insólita hipótese de eu corporificar o Black Power do Tornado, passa a ser irrelevante. Ninguém fura a cancela da memória do José Alberto Andrade.

Zé, obrigado pela tão cara lembrança! Só não sei o tamanho da conta desse pedágio que chegou de surpresa em 100 kW. Estão, no mínimo, cobrando-me explicações. Até aquele piá na bicicleta sobre a ponte está me abanando com gargalhadas, enquanto eu procuro alguns Cruzeiros no bolso.


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3.11.11

Centopeia

Número 446
Rubem Penz
Quantos pés têm numa mesa de bar? Qualquer um responderia que são, normalmente, quatro. Aí que está: isso quando ela está vazia. Sendo um tradicional ponto de encontro, pode-se dizer que a mesa de boteco terá tantos pés quanto maior for o número de pessoas que ali estiverem durante uma noite. Dezenas com certeza. Quem sabe até uma centena, entre chegadas e partidas. Numa semana, milhares.
Pés de todos os tamanhos: dos delicados 33 aos superlativos 45. Pés de chinelo, de sandália, tênis ou sapato. Pés descalços, se o bar estiver à beira mar. Alguns firmes no chão, outros aéreos – aproveitando as pernas cruzadas. Uns pisando inadvertidamente em vizinhos. Também pés que se tocam por carinho, muitas vezes de modo velado. Pés que tamborilam ao som da música, pés inquietos denunciando um tique nervoso, pés unidos em recato ou espalhados pelo chão afora. Pé por pé. Pé na porta.
E para onde anda essa centopeia? Para lugar algum, é claro! No máximo em pequenos deslocamentos para compor com outras mesas arranjos coletivos. Acontece que cada pé da mesa, como também cada cabeça, aponta para um lado. E, nesse empurra e puxa, a certa altura, a mesa perde os pés e ganha asas. Só os adeptos do bom papo de bar sabem o quanto se pode voar para além fronteiras sem sair da roda nem perder a rodada – seja em papo cabeça, ou em teorias sem cabeça nem pé.
A união de mesa de bar, boa companhia, assuntos variados e diversos pontos de vista sempre dá pé. E, mesmo dando pé, há quem afogue – a si ou as mágoas. Melhor dizendo, as duas opções: para o mar das lamentações, de nada servem pés de pato. É também nas voltas com as bolachas de chope que tomamos pé das coisas, mesmo com alguns a não falar coisa com coisa. E merece pé na bunda quem finca num assunto pé no saco.
Porém, antes que o leitor, boiando, fique pé da vida com essa crônica (ok, agora forcei um pouquinho, perdão), vamos tomar pé da situação: há motivos para tantos pés, e tem muito a ver com os pés das mesas de bar. Primeiro, devo lembrar que nenhuma ideia, por melhor que seja, sobrevive sem que finquemos os pés na sua execução. E foi isso que fiz quando convidei um novo grupo de escritores para a segunda turma da oficina Santa Sede – crônicas de botequim. Depois, os nove componentes foram incansáveis na hora de por o pé na estrada: escreveram muito, e muito bem. Oitenta e uma crônicas em seis meses de trabalho! Textos sobre a mesa; sob ela, nossa profusão de pés.
É preciso dizer, para o bem da justiça, que nada teria dado pé sem boas mãos. E que mãos! No livro Santa Sede – crônicas de botequim, Safra 2011, cujo lançamento será dia 06/11 na 57ª Feira do Livro de Porto Alegre, estão as digitais dos autores, editores, designers, corretor, gráfica... Minhas marcas também, vá lá. Todos com um pé que é um leque pela hora de colher as impressões dos leitores. E quando me refiro a leitores, penso em todos vocês! Ao menos dos que curtem crônica, amizade, boemia e perspicácia.
Por fim – e, por favor, paciência com meu contentamento –, vou enfiar o pé na jaca e cometer outro trocadilho pela causa: quem não gosta de crônica, bom sujeito não é. É ruim da cabeça, ou doente do, agora, óbvio.
Abra a mão. Abra seu coração. Abrace-nos no lançamento da antologia Santa Sede – crônicas de botequim, Safra 2011, Ed. Fábrica de Leitura. Eu, de pés juntos, juro que o livro está ótimo!
PS.: dia 09/11, 19h, também estaremos autografando no Boteco Matita Perê, o bar anfitrião da oficina. Rua João Alfredo, 626, Cidade Baixa, Porto Alegre.

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2.11.11

Autógrafos em 06.11, domingo, na Feira do Livro

Na qualidade de Organizador,
Convido para o lançamento da antologia



Ed. Fábrica de Leitura

Dia 06/11, domingo, 18h
No Memorial do RS, Térreo
57ª Feira do Livro de Porto Alegre

&

Dia 09/11, quarta-feira, 19h30
No Boteco Matita Perê
Rua João Alfredo, 626, Porto Alegre

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“Brilhante a ideia do Prof. Rubem Penz de oferecer uma oficina de criar talentos num inusitado ambiente: o bar. Local propício para provocar a inspiração, onde o prazer da boemia, o lúdico da conversa, a embriaguez da descoberta e a surpresa de um olhar inusitado provocam um banquete de emoções. (...) Por isso, se torna tão divertido ler as crônicas contidas nessa Santa Sede. Compartilhamos desse processo como se fôssemos parceiros da mesa ao lado, observando como cada cabeça tem suas sentenças e delas constroem-se idéias diferentes e estilos próprios.”

Cláudio Levitan