26.4.07

Número 212


GRANDE ENCICLOPÉDIA 1º DE ABRIL

 

Este é, talvez, um dos livros mais raros que temos na biblioteca de casa. Para se ter uma idéia, a data da edição é 2062. Comprei em Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira, em um sebo que ficou aberto não mais do que quinze minutos. Explico: entrei no lugar atraído por um exemplar nº 1 do Recruta Zero. O dono, um turco sorridente, pediu cinqüenta dólares pelo gibi. Achei caro. Mas o insistente vendedor não me deixou sair sem comprar algo. Aflito, dei de mão no primeiro livro de um balaio com a placa US$0,75. Saquei um dólar. Ele não tinha troco. Pediu que voltasse depois. Mais tarde, quando retornei, a loja estava fechada. Ninguém em volta conhecia o turco, ou a tal livraria. Perdi vinte e cinco centavos de dólar. Compartilho um pouco do que ganhei, transcrevendo verbetes aleatórios:

 

• Papa Carmelo XVI – sumo Pontífice da Igreja Caótica. Exerceu seu papado de meados dos anos oitenta do Século XX até o ano 12 do Século XXI. Fruto do casamento intelectual do Papa Rebento XVI com o Irmão Carmelo Soares. Ficou eternizado na memória dos fiéis por ter erradicado a praga do segundo casamento entre os caóticos. Seus métodos eram preventivos: valia-se de uma planilha absurdamente completa do auxiliar Batista (1948-2032). Estudava, então, as chances de êxito de todos os primeiros casamentos encaminhados para a sua Igreja. Se o casal era incompatível, não fazia a cerimônia, e ponto. Em tese, não existindo o primeiro, jamais haveria o segundo casamento. Terminou, enfim, com o: casa, separa, casa, separa, casa, separa. – Una piaga! – dizia. – Io non caso!

 

• Diego Armando do Nascimento (Peladona) – Maior jogador de futebol de todos os tempos. Com dupla cidadania, foi multicampeão do mundo, às vezes pela Argentina, outras defendendo o Brasil. Uma de suas principais características era a forma de comemorar os gols que marcava com a mão: repetia o gesto de socar a bola enquanto pulava e corria na direção das arquibancadas. Os árbitros até desconfiavam que ele estava de gozação, mas não tinham coragem de anular nenhum de seus tentos. Depois de aposentar-se dos campos, passou a ter sérios problemas de saúde, todos ligados ao consumo de drogas. Assumidamente portador de disfunção erétil, ganhou copa franca por ser garoto-propaganda de um laboratório. Em função de overdoses, vivia internado em clínicas tratando-se de priapismo. Entiendes?

 

• Michael Luther King – Astro de rock e mártir da luta contra a desigualdade entre os seres humanos. Menino negro, Norte-Americano e destaque do grupo Luther Five, ele dedicou sua existência para provar que todos poderiam ser iguais: nem negros, nem brancos. Nem homens, nem mulheres. Destemido e altruísta, aplicou no próprio corpo uma série inimaginável de experimentos médicos e científicos para transformar-se na primeira coisa mais estranha do mundo. Não desistiu nem mesmo quando efeitos colaterais fizeram cair-lhe o nariz e criar-lhe guelras não funcionais (por isso, passou a ser visto com lenços no pescoço). Investiu a enorme fortuna amealhada nos milhões de álbuns vendidos pelo planeta em sua obsessão. Infelizmente, não conheceu a igualdade em vida. Porém, morreu igual.


20.4.07

Número 211

O PESADELO ACABOU

 

Notícia: Sandy e Junior anunciam o final da carreira de dupla. Final brasileiro, é certo: eles começam um novo projeto acertado com a MTV, que garantem ser o último. Em nossas bandas, com o perdão do trocadilho, nem as ações definitivas, como é o caso de final, deixam de ser lentas, seguras e graduais. Quem já passou dos quarenta sabe do que estou falando. Louvemos a notícia e seu valor simbólico.

 

Em dezessete anos de carreira, os irmãos cantores bateram a casa dos quinze milhões de discos vendidos. Contra estes números não há argumento: eles são a imagem e o som do sucesso. Acompanhados de profissionais competentes desde a primeira nota aguda, Sandy e Junior se revelaram artistas em constante amadurecimento e merecedores de suas conquistas. Impossível assistir a um show dos meninos sem ficar fascinado com o espetáculo. Ninguém é obrigado a gostar da música da dupla, mas a todos cabe reconhecer seus méritos.

 

Dito isto, por que comemoro o fato de eles se separarem? Óbvio: Sandy e Junior não podem ser mais representativos do que considero a pior fase da Música Popular Brasileira (MPB). Eles são os filhos prodígio do formulismo das gravadoras, do sucesso enlatado, da tentativa vil de sepultar o grande mérito da sonoridade nacional: sua pluralidade. Para piorar, prostituindo uma raiz bastante autêntica – a música sertaneja do Sudeste e Centro-Oeste. Os meninos não são culpados por fazer tanto sucesso. Nós somos.

 

Em 1991, exato ano em que os filhos de Xororó e Noely iniciaram a carreira conjunta, vivíamos no país a era Collor. A lenta e gradual democracia virara realidade e, com isso, deixava de ser a utopia salvadora que impulsionou uma geração magnífica de músicos. Em 1989, caíra o Muro de Berlim. Estava montado o cenário para um mergulho no torpor do fim da festa. Por um lado, tudo parecia já ter sido dito. Por outro, o silêncio das vozes dissonantes favorecia os negócios. A MPB veiculada nas rádios, em regra, tornou-se uma pasta brega. Abriu-se a porta para o mau-gosto. Um pesadelo. Parece piada, mas coube ao importado Rock salvar a pátria verde-amarela.

 

Não há bossa-nova que sempre dure, nem onda sertaneja que nunca termine. Hoje ouço a Sandy cantando Tom Jobim e Cole Porter. O Junior, com pendência pop, Soul Music. O salto que pretendem dar em direção ao público adulto é o mesmo que os está afastando da raiz caipira-romântica. Isso não é coincidência. Os ventos renovadores da internet enfraqueceram o poder das gravadoras e, mesmo sem se extinguirem, os Brunos & Marrones da vida perderão a força que os fazia absurdamente hegemônicos. Por sua vez, emepebistas que pareciam fazer música às escondidas (da mídia), aos poucos, retornam para as FMs, trilhas de novelas e teatros. Posso ver o sorriso largo da Elis Regina lá no céu. O sonho não acabou.

 

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Por falar em música, dia 27 de abril, sexta-feira, estarei com o Grupo Versão Brasileira* no auditório da Livraria Cultura – Bourbon Country, 2º piso –, às 19:30h. Para o show, standards de jazz e composições próprias. Ingresso: 1Kg de alimento não perecível.

 

Fica o convite!

 

* Felipe Braga (sax) Antônio Xavier (violão e guitarra)

Marcelo Leal (contrabaixo) Rubem Penz (bateria)

12.4.07

Número 210


O GORDO E O MAGRO

 

Não existe número mais magro do que o um (1). O mais gordo, por sua vez, é o zero (0). E, mesmo sendo tão diferentes na aparência, adoram se reunir para, juntos, formarem uma dupla muito festeira. Há quem diga que o zero não vale nada – tudo bem, tem um fundo de verdade nisso. E mais: que o um, sozinho, também é pouco. Mas estes dois números são fundamentais em diversas comemorações.

 

O um é um magro de nascença. Em arábico ou em romano, lá está a unidade em forma de palitinho. Ele é o tal número que marca o primeiro: primeiro ano, primeiro beijo, primeiro sutiã. É, enfim, aquele que a gente nunca esquece. A própria matemática começou com o um. Talvez por este caráter precursor, venha a ser tão famoso e convidado para participar das dezenas, centenas, milhares etc. Em todo lugar, sempre cabe mais um (como dizia outro comercial, este de desodorante). Outra coisa importante: ele nunca divide os outros números, pode fazer a conta. Se tiver que diminuir, perde-se pouco.

 

Já o paradoxal zero é uma figura rara. Ele é enorme de gordo e, ao mesmo tempo, vazio. Na realidade, se formos pensar bem, não passa de uma abstração. Não soma nada, mas, estando junto, multiplica por dez, por cem, por mil. Nunca diminui. Se tiver que dividir, acaba sozinho. Por isso, quem sabe, gosta mesmo é de estar acompanhado. Quando se quer acabar com uma briga, nada melhor do que lembrar dele, e começar tudo do zero. Outra coisa: se ele nos couber ao final, não fica nada – nem mágoas, nem saudade.

 

Lembrei destes números – o magro e o gordo – por causa da aflição que cerca o jogador Romário nestes dias que antecedem ao milésimo gol de sua carreira. São páginas e mais páginas de jornal impressas com o Baixinho. São repórteres e fotógrafos se acotovelando na boca do túnel a cada jogo do Vasco. Um exército na torcida a favor do centro-avante e outro contra esta febre matemática. Goleiros mais nervosos que piá em fila de vacina. E o que falta para começar a festa e acabar com a agonia? Falta o último convidado: o numero um em forma de gol. E quem virá com ele? O zero. Aliás, três deles, para, enfim, fechar o milhar.

 

Pobre nove: parece não valer nada. Nem em dupla, trio ou quarteto. O pessoal só pensa nos dez anos, nos cem dias, nos mil gols, no milhão de dólares. Festa boa tem o um e muitos zeros. O número gordo e o número magro. A conta cheia. O girar do odômetro. A marca histórica!

 

Com sorte, o Romário vira esta página em maio, na primeira rodada do Brasileirão. Afinal, o assunto rendeu o bastante. Para mim, a ponto de perder a graça. E por falar nela – a graça – quem nunca a perde é a dupla Stan Laurel e Oliver Hardy, os verdadeiros Gordo e Magro. Juntos, são assim ó: 10!


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5.4.07

Número 209


RELATÓRIO DE RH

GERENTE: TERESINHA*

 

Sobre os candidatos a mim encaminhados:

 

• O primeiro currículo me chegou como vindo do florista: perfumado, em um envelope ametista. Papel na mesma cor (dois tons mais claro), impresso com tanta qualidade que as letras saltavam em relevo. Anexo, um cartão de aniversário simpático, ilustrado com um ursinho. Me senti uma rainha (onde teria descoberto a data?). Na formação do candidato, graduação, duas pós-graduações, diversas especializações no exterior e o domínio de quatro idiomas. Em nosso formulário – campo de observações –, dizia fazer questão de trabalhar com veículo próprio, além de possuir laptop, palmtop e telefone celular com internet, tudo ao nosso dispor. Me pegou tão desarmada que quase ganhou a aprovação. Mas como está muito acima da qualificação exigida para o cargo, escolada, recomendo o não.

 

• O segundo currículo me chegou como vindo de um bar. Literalmente, pois havia nele uma redonda, escura e açucarada mancha feita por uma xícara de café. Além de cheiro de cigarro e bebida impregnados no papel. A formação estava compatível com a vaga oferecida. Porém, curiosamente, usou o campo de observações para indagar sobre a história da empresa, além de colocar em dúvida a qualidade de nosso refeitório. Disse, também, já ter visitado nosso site, alterando, de propósito, diversos dados lá contidos. Queria provar que, sem investir em segurança na web, nossa empresa estará perdida. Isso me deixou tão desarmada que ele quase mereceu a contratação. Mas como não trouxe nenhuma carta de empregos anteriores, desconfiada, sugiro o não.

 

• O terceiro currículo não chegou no malote, junto com os outros, como era de se esperar. Apareceu na minha mesa, simplesmente. Nada ali contido indicava a qualificação do candidato para o cargo ofertado. Aliás, mal soube quem era ele, pois os campos de identificação estavam quase todos em branco. Se não fosse o apontamento no envelope, onde havia a vaga pretendida, o destino dos papéis seria a lata de lixo. A petulância de apresentar-se sem cumprir nenhuma prerrogativa me perturbava. Estava inclinada a nem cogitar o profissional quando, na última folha, sorrateiro, um post-it elucidativo me fez mudar de posição. Assim, indico, constrangida, para a vaga na Diretoria, o namorado do patrão.

 

* Livremente inspirado em Teresinha, de Chico Buarque, com tempero de Nelson Rodrigues.