27.8.08

Número 280

Olimpíadas de A a Z

Terminadas as Olimpíadas de Pequim, começam os balanços. E as cobranças. E as desculpas. Alguma lavação de uniforme em público, cifras vindo à tona, esperança submergindo... Nunca tive ilusões de medalhas em quantidade: os países colhem os resultados que plantam em políticas educacionais e esportivas de base – com o adubo da continuidade – e esse não é o caso brasileiro. Aqui, longo prazo é a próxima eleição, e olhe lá... Porém, antes que o cheiro de pólvora dos fogos da despedida se dissipe, vamos fazer um balanço bem despretensioso da festa do esporte:

A – Alívio. Isso é o que sentem os que não gostam de atletismo, natação, tiro ao alvo, hóquei, handebol etc, e só tinham essas opções para assistir na TV.
B – Boxe sem medalhas do ouro para Cuba: sinal mais evidente de o país de Fidel estar nocauteado em pé.
C – Cielo, César. E já pensou se o nome dele fosse César Acqua!?
D – Dunga e a maldição do apelido. Ao terminar o jogo contra a Argentina, teria dito: Ah, não!
E – Etiópia, junto com Belarus, Quênia e Jamaica – países inexpressivos adiante do Brasil no quadro de medalhas. Mas isso não quer dizer nada...
F – Futebol olímpico. Piada que, faz tempo, perdeu a graça.
G – Galvão Bueno e a esperança nacional: que se percam as malas na volta para o Brasil.
H – Hipismo. Esporte com o maior número de casos de doping na Olimpíada. Acho que andaram usando doses cavalares.
I – Iguais. São assim os chineses: todos conquistando ouro.
J – Jornalistas. Em Pequim, estavam em maior número do que os atletas!
L – Liberdade ao molde chinês: pode tudo, menos o que o governo proíbe.
M – Maurren Maggi. Agora, talvez aproveite o impulso e salte para as páginas da Playboy para cair na grana!
N – Ninho do Pássaro. Obra do arquiteto chinês Jon Dee Balo.
O – Orelha do Phelps. Se o tecido do maiô faz diferença, ninguém vai estudar o efeito delas na performance? Para mim, é caso de doping morfológico.
P – Pedro Dias, judoca português que ganhou a luta de João Derly. Merecia medalha de ouro em imbecilidade ao noticiar para o mundo que é corno.
Q – Quatro, na China, é o número do azar. Para o Ronaldão, é o 24. Para a Argentina, o 34: sua posição no quadro geral – um pequeno consolo...
R – Rio 2016. Diz que o Zeca Pagodinho cuidaria do fogo olímpico.
S – Satisfeito. Conceito do Presidente ao ser perguntado sobre o desempenho do Brasil logo após o almoço.
T – Tombo. Definição: desequilíbrio seguido de queda e muito, muito choro.
U – Usain Bolt. O jamaicano bateu os recordes dos 100, 200 e de irreverência.
V – Vara e suas variações: ao invés de ajudar a atleta a varar o obstáculo, sumiu, deixando Fabiana varada.
X – Xi Jinping: vice-presidente da China. Xi Jinpong, seu oponente no tênis de mesa.
Y – Yelena Isinbayeva. A mais perfeita harmonia entre mulher e salto alto!
Z – Zapping. Esporte praticado por quem tem TV por assinatura e não quis perder nada na Olimpíada.

20.8.08

Número 279

REGRAS DO JOGO *

A pedra afia a tesoura. O papel embala a pedra. A tesoura corta o papel. Conte até três e, mão estendida, revele-se diante do oponente. A má escolha não garantirá sua derrota. Nem a boa levará à vitória. Sim: bastam três variáveis para demonstrar que o acaso rege o destino. Isso é o que acontece com as escolhas que fazemos na vida.

Que pedra estará em jogo? A pedra que afia e também fere, recorda e constrói. Aquela que, de um momento para o outro, abandona a inércia e voa, impulsionada pelo afã do vingador insuspeitado. Pedra que é obstáculo, silêncio, mas que pode manter abertos os caminhos. Pouso seguro para recordar o passado e peso terrível a se carregar por toda uma vida. Pode ser preciosa e não mudar o destino, nem comprar felicidade. Tornar-se lembrança do amor que não se concretizou, ou do que jamais poderá existir. E pode ser arma fatal, na violência real ou imaginada.

Que papéis estarão em jogo? O papel que embala e também ilude, embeleza, enternece. Não suporta o peso de um gesto mais ríspido, mas guarda e reproduz vidas inteiras. É o desejo que separa o filho de sua mãe, ou o que une dois amantes em sua arte singular. A folha que registra o vazio cronometrado da existência ou o milagre de uma vida repleta de impossibilidades. O bilhete que a dor enegreceu, a mensagem jamais revelada, a notícia de morte oculta na frieza dos diagnósticos. Os papéis todos que a vida nos impõe, descobre ou liberta.

Que tesoura estará em jogo? A tesoura que corta e salva, aborta e contorna. Enquanto uma lâmina acaricia a face da outra – tão íntimas e letais –, partem o que entre elas se intromete. A tesoura que rompe as ilusões serve também para dar fim ao sofrimento. Ela oferece ao poeta o desfecho ferino e à prostituta, a vingança sutil. Seu corte preciso parece ceifar a vida que se vai precocemente, mas é instrumento que não se guia por si – sempre haverá uma mão a lhe indicar a liberdade ou a tirania.

Entre pedra, papel e tesoura, eu e mais quatorze colegas escolhemos escrever. Contamos até três e, almas estendidas, revelamo-nos uns aos outros durante a Oficina 38. Perdemos um tanto de ingenuidade. Ganhamos um pouco mais de experiência. Mas, tal escolha – cursar a Oficina de Criação Literária da PUCRS – não nos garantiu vitórias ou derrotas: habilitou-nos ao jogo. Que jogo? Pode ser aquele que começou em dois semestres do ano passado e agora apresentamos nas páginas da Antologia Pedra, papel e tesoura – Contos de Oficina 38.

A Antologia – organizada por Luiz Antonio de Assis Brasil e editada pela Bestiário – terá seu lançamento no dia 26 de agosto em Porto Alegre, no Cult Pub (Comendador Caminha, 348, ao lado do Parque Moinhos de Vento), às 19h30min. Partindo dos sentidos literais e simbólicos dos elementos, cada autor foi provocado a escrever três contos inéditos. O resultado não poderia ser mais surpreendente: um livro em que quinze escritores de vozes literárias distintas alcançam uma combinação ao mesmo tempo multiforme e coesa. Uma obra que pode ser lida do começo ao final ou pinçando-se cada autor, sem que a proposta original se perca. Apareça lá! Conte até três e estenda os olhos: o leitor é parte da regra do jogo.

*Crônica adaptada do texto de apresentação do livro Pedra, papel e tesoura, Contos de Oficina 38. O convite logo abaixo é para você!

CONVITE!


14.8.08

Número 278

SEM TEMPO A PERDER

“Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos
Tempo Tempo Tempo Tempo num outro nível de vínculo
Tempo Tempo Tempo Tempo”

Caetano Veloso


Eusébio não gostava de perder tempo. Por isso, deixou de ir ao supermercado: mandava a lista de compras para o gerente via computador e, também assim, pagava a fatura. Ganhava os quinze minutos de ida, os vinte de passeios pelos corredores, os cinco da fila do caixa e os quinze minutos de volta. Contando os deslocamentos entre o apartamento e a garagem, a soma alcançava uma hora.

Érika também não gostava de perder tempo. Por isso, jamais almoçava em restaurantes: pedia para um colega de escritório trazer um lanche quando voltasse ao trabalho, mandando o dinheiro com ele. Ganhava os quinze minutos de ida, os vinte diante da mesa de refeição, os cinco na fila do caixa e os quinze minutos de volta. Contando os deslocamentos entre seu cubículo e a portaria do prédio, a soma alcançava uma hora.

Escobar era outro que não gostava de perder tempo. Por isso, parou de freqüentar o estádio de futebol: assinou um pacote de TV que contemplava todos os campeonatos da primeira, segunda e terceira divisões nacionais – fora os certames estrangeiros. Ganhava os quinze minutos de ida, os quinze de volta e, na melhor das hipóteses (jogo de meio de semana no início do campeonato regional), os trinta minutos de antecedência para sentar-se em um bom lugar da arquibancada. Logo, a soma mínima alcançava uma hora.

Sem falar em Elisa, que odiava perder seu precioso tempo. Por isso, abandonou o hábito de ir ao cinema: passou a alugar filmes na volta do trabalho, deixando-os na caixa de coleta da locadora na manhã seguinte. Ganhava os quinze minutos de ida, os cinco procurando uma vaga no estacionamento, outros cinco entre o carro e a fila do ticket, mais os quinze minutos de volta. Contando o tempo de segurança para entrar no shopping com a antecedência necessária para garantir o ingresso, a soma alcançava uma hora.

Egon e Edna, ao contrário, não viam tantas vantagens assim em aproveitar as facilidades da vida moderna. Muito menos se deixavam cair na tentação de virar workaholics, vidiotas ou ermitões. Conheceram-se diante de uma prateleira refrigerada de iogurtes, quando trocaram impressões sobre uma ou outra marca, sorrisos e números de telefone. Passaram a almoçar juntos de vez em quando, aproveitando que não trabalhavam muito distante um do outro. Descobriram afinidades insuspeitas, como o gosto por filmes de ação e cores clubísticas. Viram a amizade evoluir para uma paixão tranqüila e acabaram juntando as escovas de dentes.

Um dia, enquanto o casal aproveitava para tomar um café antes da sessão de cinema, Egon falou que sentia saudade do pessoal com quem costumava se encontrar. Tinha dois grandes amigos: Escobar e Eusébio, que nunca mais vira. Parecia que nem moravam na mesma cidade. Edna também fazia parte de uma turma muito ativa que, com o tempo, foi perdendo o contato. Ressentia-se da distância com Elisa e Érika, parceiras inseparáveis outrora. Só tinha notícias delas em mensagens de Natal e aniversário.

Egon e Edna repudiaram a idéia de perder os velhos amigos de vista e decidiram tomar a iniciativa. Tentaram marcar um encontro, um jantar, um cineminha que fosse. Deu em nada: eles outros alegavam uma eterna falta de tempo. Muita insistência e poucos resultados depois, o casal percebeu que a proposta era completamente inviável. Por fim, desistiram. Afinal, ninguém nessa história parece gostar de perder seu tempo.

11.8.08

Convite!

Com orgulho, sou um dos 15 excelentes autores que autografam dia 26 de agosto. E convido a todos para prestigiarem nosso trabalho.
Lançamento do livro:
Pedra, papel e tesoura -
Contos de Oficina 38

Como inovar em uma trigésima oitava Antologia? Este foi o desafio auto-imposto pelos componentes da Oficina de Criação Literária da PUCRS de 2007, sob orientação de Luiz Antonio de Assis Brasil. E a difícil resposta surgiu brincando: pedra, papel e tesoura. Partindo dos sentidos literais e simbólicos destes elementos, cada autor foi provocado a escrever três contos inéditos. O resultado não poderia ser mais surpreendente: um livro em que quinze escritores de vozes literárias distintas alcançam uma combinação ao mesmo tempo multiforme e coesa. Uma obra que pode ser lida do começo ao final ou pinçando cada autor, sem que o sentido original se perca. Entre pedra, papel e tesoura, estes jovens autores escolheram escrever. E o leitor é parte inseparável do jogo.

7.8.08

Número 277

ADVERSÁRIOS

Os Jogos Olímpicos da Era Moderna podem ser considerados uma bela iniciativa de congraçamento e paz. Porém, é evidente que todo esporte carrega no íntimo uma condição de simulacro de guerra, uma pequena batalha simbólica, regrada e controlada, funcionando como vacina contra nosso pendor beligerante. Não fosse verdade, finda a competição, não teríamos vencidos e vencedores. Ou mesmo homens para serem festejados como heróis.

Assim, de modo consciente e planejado, países com ambição hegemônica utilizam-se da festa olímpica como plataforma de propaganda político-ideológica, cultural e, principalmente, econômica. Contabilizam suas vitórias nas pistas, raias e estádios na soma de pontos para o controle da ordem mundial. Medem suas forças homem a homem, transformando o quadro de medalhas em avais para suas posições de dominação sobre outros territórios e mentes. E, claro, faturam os preciosos segundos de exposição global de suas cores, marcas e conceitos. Vencem no esporte como vencem na vida.

Vejamos o caso deste ano, com a China recebendo a oportunidade de ser país-sede. Desde a vitória em sua indicação, ou mesmo antes, o governo chinês trata a oportunidade como uma ferramenta capaz de inserir o país no seleto grupo das superpotências econômicas mundiais. Faz de tudo para provar às demais nações que o gigante, outrora adormecido, despertou outra vez para sua vocação imperial. Lembrando um pouco a intenção nazista dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, ela associa as esperadas vitórias de seus atletas com o futuro êxito nos campos da economia e política mundial.

Mas utilizar o sucesso esportivo como modelo de prosperidade não é algo exclusivo das grandes potências. Basta olhar para o exemplo de Cuba: o pequeno conjunto de ilhas caribenhas transforma seus atletas em garotos-propaganda de sua política social. Mais: o faz com um balanço positivo inegável – desconsiderando, aqui, juízos de valor sobre sua forma de governo. Ao comparar o potencial aporte de riquezas (materiais, humanas e econômicas) de Cuba com o Brasil, nossa tradicional posição hierárquica no quadro de medalhas se torna, no mínimo, vergonhosa.

Por falar em Brasil, ou em sua trajetória no ranking de pódios olímpicos, suponho que, de quatro em quatro anos, perdemos a oportunidade de olharmo-nos no espelho para refletir sobre a pátria amada, idolatrada, salve e salve. Vivendo em um país de dimensões continentais, caldeirão de raças, orgulhoso de sua capacidade criativa de seus ricos mananciais, será que nunca desconfiamos de algo errado no pífio saldo de louros alcançados através dos tempos? Tal imagem negativa é percebida de modo límpido por outras nações. Um recado claro de como tratamos o povo e suas potencialidades. Ou do tempo que falta para deixarmos de ser uma nação subdesenvolvida.

Não quero aqui desqualificar nossos atletas. Ao contrário, para habilitar-se à luta por medalhas de ouro, outras guerras já precisaram vencer: a falta de política esportiva de base e os parcos investimentos em infraestrutura e capital humano. O pior é que os esportistas nem se queixam, pois estão em pé de igualdade com as áreas da educação, da cultura, da pesquisa etc. Depois, caso cheguem ao topo, ainda precisarão lidar com a culpa incrustada por demagogos de plantão, para os quais a elite esportiva nada merece de apoio de uma nação onde há fome – gente que odeia (teme) o sucesso.

Em 2008, a China estará mostrando ao mundo sua pujança. Outros povos desfilarão sua tradicional competência e supremacia. E, nesta guerra metafórica, o Brasil se apresentará com os melhores soldados – na maioria, atletas que ultrapassaram toda a sorte de dificuldades. Dentre eles, alguns poucos heróis vencerão suas batalhas na base da superação. No grito. Sem balas na agulha. Depois, ao retornar com medalha no peito, posarão sorridentes para fotos ao lado dos primeiros adversários que precisaram superar: nossos governantes.