PATERNIDADE INSTANTÂNEA
Scoop – O Grande Furo, mais recente filme de Woody Allen, é uma deliciosa mistura de thriller policial e comédia de costumes, com pitadas de ocultismo e tendo Londres como cenário. Contudo, nas entrelinhas do criativo roteiro, o cineasta nos serve uma (não) surpreendente receita de paternidade instantânea – daquelas do tipo "agite e sirva" – conseqüência, quem sabe, dos ingredientes de sua vida fora das telas.
A trama começa quando Sondra Pransky (Scarlet Johansson), uma jovem estudante que oscila entre o jornalismo e a tradição familiar da higiene dental, é visitada pelo espírito do recém falecido jornalista Joe Strombel (Ian McShane). O local da aparição é a caixa de desmaterialização do mágico Splendini (Woody Allen), durante o truque. O motivo para tal contato é a transmissão daquele que seria o maior furo da carreira de Joe, obtido na Barca dos Mortos: a identidade do criminoso conhecido como Assassino do Tarô que, de acordo com sua fonte, é um herdeiro da aristocracia britânica.
A presença de Splendini na trama cessaria logo em seu início, caso não houvesse um detalhe: Sondra (norte-americana, judia e imatura) se reconhece incapaz de fazer a reportagem investigativa sozinha e, talvez por identificação, retorna ao teatro em busca do auxílio do mágico (também norte-americano, judeu e imaturo) para fazer o trabalho. Este, contrariando uma aparente covardia, adota a menina e seu projeto – a ponto de se transformarem em pai e filha na estratégia de se aproximar do suposto criminoso – passando a viver uma divertida (verossímil e radical) figura paterna.
Como uma vida em fastword, o filme desfila as mutações de Sondra: de uma menininha indefesa surge a pré-adolescente que morre de vergonha do pai – muito fácil, pois o mágico é especialista em "micos". A seguir, passa a ser desafiadora quando ele se opõe ao seu romance juvenil com o belo Peter Lyman (Hugh Jackman), o suposto Assassino do Tarô. No fim, se revela uma mulher madura e grata. A personagem de Allen, por sua vez, salta em único movimento da posição de velho solitário para pai adotivo, amoroso e protetor. Isto é, tão protetor quanto um sujeito meio maluco consegue ser.
Não contarei o final, mas adianto que deixei a sala de projeção convicto de que a paternidade é como uma qualidade congênita, independente até da fertilidade. Tal qual a mistura de bolo do Dr. Oetker, em que basta adicionar o leite e levar ao forno, um pai potencial precisa apenas que alguém lhe adote (o que Sondra, por carência, fez com Splendini). Mais do que nunca, os homens precisam olhar para dentro de si e encontrar o tal pacote de pai instantâneo em suas despensas. Mas não me iludo: há quem não tenha tais ingredientes. O que é uma pena, pois muito da violência na sociedade é resultado da falta de um velho e bom pai em casa. Ou um substituto digno deste nome, fora dela.
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