18.1.08

Número 247

UM ALÉRGICO ENTRE POTIGUARES

 

Crônica dedicada aos queridos e atenciosos

anfitriões da família Negretto.

 

Quando pensei em escrever sobre minha estada de férias em Natal (RN), me veio na memória uma clássica passagem de Indiana Jones e a última cruzada. Nela, Dr. Jones Jr. (Harrison Ford), prisioneiro dos nazistas, informa que seu amigo Marcus Brody (Denholm Elliott) já está em Iskenderun com o mapa que leva ao Santo Graal. E que seria impossível localizá-lo, por ele contar com dois dias de antecipação, dominando 10 idiomas, conhecendo cada biboca da região e certamente misturado com a população local. Depois do corte de cena, o que se vê é o exato oposto: um homem perdido, incapaz de se comunicar e mais estrangeiro impossível. Bom, resguardado o exagero cômico do filme, um gaúcho teuto-brasileiro em terra potiguar se mostrou quase tão esdrúxulo quando o Mr. Brody na Turquia.

 

Na viagem, inúmeras marcas conspiravam para me destacar na multidão. Por exemplo: o olhar maravilhado para aquele mar límpido, quem sabe escondendo o esforço brutal para segurar o queixo no lugar, impedindo-o de cair. Para quem cresceu diante de um oceano escuro, bravio e linear – três palavras que definem a costa do extremo sul brasileiro –, o cristalino aquário nordestino é uma visão do paraíso. Isso sem falar na beleza das falésias, dos parrachos (recifes de corais), das piscinas naturais que surgem nas oscilações da maré, das dunas e das baías. O deslumbramento, enfim, me denunciou.

 

Minha cor, por outro lado, também não ajudou muito na tarefa de parecer tão brasileiro quanto qualquer outro habitante local. O sangue alemão que me corre nas veias é praticamente visível a olho nu, só para dar uma idéia da palidez característica. E, independente da oferta de melanina, a exposição constante ao sol equatoriano confere ao natalense mais branquinho um tom muito mais amigável do que o meu. Por lá, antes das cinco horas já é dia claro e a chuva não somou dez minutos em toda a temporada. Neste sentido, pior mesmo só se me deixasse esbaldar: o vermelho da pele me levaria ao ridículo, ou ao hospital.

 

Mas nem ao potiguar cego eu teria sido capaz de ludibriar: meia palavra basta para revelar um gaúcho no nordeste. Nada me valeu ter escutado durante a vida o tanto de Alceu Valença, Caetano, Gil, Zé Ramalho, Dominguinhos, Fagner, Lenine e outros mais. Minha melodia frasal soa Teixeirinha aos ouvidos do restante do Brasil. Ou, no mínimo, Kleiton & Kledir. Como apenas pedindo confirmação, me perguntavam a toda hora se eu era gaúcho. Algo como se, ao invés de deixar o Rio Grande do Sul, eu o levasse junto comigo. Isso é uma barbaridade, tchê!

 

Voltando ao filme do Spielberg, Marcus Brody foi encontrado facilmente por aliados e inimigos nas ruas de Iskenderun, sem nenhuma surpresa de roteiro. De minha parte, fui visto, tido e tratado como turista em todos os momentos nas praias, feiras e restaurantes de Natal. E, por mais tempo que ficasse no Rio Grande do Norte, para sempre até (de mala e cuia), nem assim eu estaria perto de ser um potiguar. Simples: em tupi-guarani, potiguar significa comedor de camarões. E eu, antes de ser um deslumbrado gaúcho alemão, sou alérgico à iguaria. Como diriam:

 

         – Pode comer não? Ih... Danou-se.

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