DESCORTINADA
Houve um dia de grandes revelações. Um recorte na minha vida. Era uma manhã de dezembro, bem naquele espaço entre o final das aulas e o Natal. Senti medo – que papelão... Pudera: tinha dez anos e, mesmo já crescido, nunca havia imaginado nada nem parecido. Sim, escondem essas coisas da gente.
Houve um dia de grandes revelações. Um recorte na minha vida. Era uma manhã de dezembro, bem naquele espaço entre o final das aulas e o Natal. Senti medo – que papelão... Pudera: tinha dez anos e, mesmo já crescido, nunca havia imaginado nada nem parecido. Sim, escondem essas coisas da gente.
Eu jogava no gol, e a regra era clara: o goleiro, por não estar cansado de tanto correr, buscava a bola que ia para fora. Fui, que remédio. A bola rumara para o jardim dos fundos da casa do seu Jurandir. Muro baixo, sem cachorro. Fácil. Quer dizer, em termos. O homem era brabo – não gostava de ninguém pulando para dentro do pátio. Mas eu era ágil. Ladino. Goleiro!
Olhei bem antes de saltar: a bola estava encolhida debaixo da grande roseira, com o risco de sair furada por algum espinho. O canteiro ficava bem no meio de dois ares-condicionados – um para cada quarto. As janelas estavam abertas e as cortinas se agitavam para fora com o vento, como se me abanassem para longe dali. Devia ter desconfiado de algo. Crianças não ligam para prenúncios.
Os gritos que vinham do campinho me apressavam. Olhei para um lado e para outro. Atirei-me. Passei pelo trilho de cascalho que levava para a garagem, pela casinha do gás, pela verde mangueira de jardim – espalhada no chão – e cheguei na primeira janela. A bola estava a três passos de distância, bastava me esgueirar e apanhá-la. Então, o inesperado.
Aconteceu de a cortina esbarrar no meu rosto, chamando o olho para dentro do quarto. Lá, deparei com dona Jurema só de toalha. Segurei a cortina ligeiro, tentando me esconder e, ao mesmo tempo, continuar olhando. A mulher era enorme: faltava toalha para todos os lados. Estava de costas para a janela – sorte a minha. Abriu a porta do roupeiro e, pasme!, atirou a toalha na cama.
Quando eu cheguei de volta ao campo, segurando a bola, me perguntaram o que havia acontecido. Disseram que eu estava com a aparência de quem tinha visto fantasma. Menti que o velho Jurandir quase me pegara dentro do pátio. Acreditaram. O jogo recomeçou e eu tomei três gols fáceis de defender. Pedi para sair. Fui para casa.
No caminho, cruzei com a dona Jurema, que puxava o carrinho de feira. Olhou para mim e piscou. Petrifiquei. Virei para trás e acompanhei aquelas enormes ancas sacudindo o vestido estampado. Naquele momento, só eu sabia. E o seu Jurandir, na certa. Dona Jurema, incrível, tinha quatro bundas.
2 comentários:
Ah, as convergências culturais / linguísticas / anatômicas são realmente muito divertidas...!
Uma bióloga que permanecerá anônima foi apelidada de "siete culos", e depois simplesmente "siete", por um "guardabosques" da Reserva Nacional Sirena, Costa Rica devido à magnitude do seu - err-hum - culo.
Quatro bundas já fica difícil de imaginar...
SETE!!!!
Nossa, Carlinha. E o guardabosques teve tempo de contar?
Abração,
Mano
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