25.4.08

Conto contíguo 5

CONTO CONTÍGUO

DESCORTINADA

Houve um dia de grandes revelações. Um recorte na minha vida. Era uma manhã de dezembro, bem naquele espaço entre o final das aulas e o Natal. Senti medo – que papelão... Pudera: tinha dez anos e, mesmo já crescido, nunca havia imaginado nada nem parecido. Sim, escondem essas coisas da gente.

Eu jogava no gol, e a regra era clara: o goleiro, por não estar cansado de tanto correr, buscava a bola que ia para fora. Fui, que remédio. A bola rumara para o jardim dos fundos da casa do seu Jurandir. Muro baixo, sem cachorro. Fácil. Quer dizer, em termos. O homem era brabo – não gostava de ninguém pulando para dentro do pátio. Mas eu era ágil. Ladino. Goleiro!

Olhei bem antes de saltar: a bola estava encolhida debaixo da grande roseira, com o risco de sair furada por algum espinho. O canteiro ficava bem no meio de dois ares-condicionados – um para cada quarto. As janelas estavam abertas e as cortinas se agitavam para fora com o vento, como se me abanassem para longe dali. Devia ter desconfiado de algo. Crianças não ligam para prenúncios.

Os gritos que vinham do campinho me apressavam. Olhei para um lado e para outro. Atirei-me. Passei pelo trilho de cascalho que levava para a garagem, pela casinha do gás, pela verde mangueira de jardim – espalhada no chão – e cheguei na primeira janela. A bola estava a três passos de distância, bastava me esgueirar e apanhá-la. Então, o inesperado.

Aconteceu de a cortina esbarrar no meu rosto, chamando o olho para dentro do quarto. Lá, deparei com dona Jurema só de toalha. Segurei a cortina ligeiro, tentando me esconder e, ao mesmo tempo, continuar olhando. A mulher era enorme: faltava toalha para todos os lados. Estava de costas para a janela – sorte a minha. Abriu a porta do roupeiro e, pasme!, atirou a toalha na cama.

Quando eu cheguei de volta ao campo, segurando a bola, me perguntaram o que havia acontecido. Disseram que eu estava com a aparência de quem tinha visto fantasma. Menti que o velho Jurandir quase me pegara dentro do pátio. Acreditaram. O jogo recomeçou e eu tomei três gols fáceis de defender. Pedi para sair. Fui para casa.

No caminho, cruzei com a dona Jurema, que puxava o carrinho de feira. Olhou para mim e piscou. Petrifiquei. Virei para trás e acompanhei aquelas enormes ancas sacudindo o vestido estampado. Naquele momento, só eu sabia. E o seu Jurandir, na certa. Dona Jurema, incrível, tinha quatro bundas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ah, as convergências culturais / linguísticas / anatômicas são realmente muito divertidas...!

Uma bióloga que permanecerá anônima foi apelidada de "siete culos", e depois simplesmente "siete", por um "guardabosques" da Reserva Nacional Sirena, Costa Rica devido à magnitude do seu - err-hum - culo.

Quatro bundas já fica difícil de imaginar...

Rubem Penz disse...

SETE!!!!
Nossa, Carlinha. E o guardabosques teve tempo de contar?
Abração,
Mano

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