SUPERPODERES
Meus filhos, assim como todas as crianças, adoram a ideia de termos superpoderes. Afinal, os heróis são cultuados justamente por essa razão: podem algumas coisas a mais, além do normal, superiores. Um dia, me perguntaram qual superpoder eu desejaria para mim – uma questão dificílima de responder de improviso. Porém, um desafio dos mais interessantes.
Desejando estar à altura da expectativa deles, meu primeiro impulso foi o de escolher um entre os tantos dotes consagrados na tradição dos heróis. Voar, por exemplo. Este desejo acompanha a humanidade desde sempre. Pensando adiante, ser (tornar-se) invisível é outro fetiche contemplado por diversas obras de ficção, vindo a calhar em determinadas situações. Melhor mesmo só quando combinamos o poder de sumir ao de se materializar em qualquer outro ponto do planeta. Já pensou o quanto quem tivesse tais faculdades economizaria com gasolina ou passagens?
Continuei meu inventário: força desproporcional, visão à distância, alcance de elástico, imortalidade... Fiz um rápido passeio pelas mais diversas qualidades dos super-heróis famosos antes de escolher uma para mim. E acabei abandonando todas. O que respondi aos filhos pareceu ser bastante animador: se eu pudesse escolher um superpoder, ele seria o da eloquência. Sim, o poder do convencimento. Depois de hesitarem por alguns segundos, as crianças concordaram: seria um poder e tanto! Com isso, senti até o gostinho de ter tal capacidade.
O passo seguinte foi imaginarmos o que ganharíamos com o superpoder da persuasão. Conseguiríamos convencer alguém a trocar uma nota de um Real por outra de cem? Melhor: trocar o nosso carro antigo por uma Ferrari zero quilômetros, taco a taco? Melhor ainda: propor qualquer negócio deixando a outra parte com a sensação de que saíra levando vantagem? Namoraríamos os mais desejados astros e estrelas? Teríamos o emprego dos sonhos, o salário dos sonhos... Mas, vem cá, precisaríamos mesmo trabalhar em busca do sustento? Em questão de minutos, descobrimos uma força absurda no poder do convencimento. E, de quebra, o perigo que corremos de, com ele, atropelar a ética e nos locupletarmos. Enfim, fazer uso errado deste poder. Horrível!
Lembrei disso pensando em nossos Poderes da República. Excetuando o Judiciário, para o qual os candidatos prestam concurso público (e isso está longe de torná-lo infalível), os outros poderosos galgam suas posições por intermédio do voto. Logo, usam da persuasão para assumirem o Poder Legislativo e Executivo. E, revestidos destes Poderes, fazem o quê? Lamentavelmente, parece que nada do que esperamos dos super-heróis, isto é, proteger os fracos e oprimidos. O noticiário tampouco indica que lutem pela justiça, prendam os facínoras, impeçam as tragédias. Quem dera... Na verdade, alguns usam os superpoderes oferecidos pela democracia para levar vantagem em tudo, segundo a antiga (e famosa) Lei de Gérson.
Fiquei superdeprimido: o poder superior que desejei para mim, julgando-me superoriginal, já é exercido em diversas instâncias. Políticos superpersuasivos são eleitos e, imediatamente, passam a poder diversos poderes: podem voar (sem pagar), podem sumir (e fazer aparecerem laranjas), têm a força das leis a seu favor, usam a máquina estatal para tudo ver, esticam sua influência como um elástico sem fim... Alguns até são imortais. Além disso, ficam furiosos quando, abusando do poder, são flagrados pela igualmente poderosa imprensa.
Da próxima vez em que os filhos falarem sobre o tema, vou desejar diferente: quero só deixar de ser Superimbecil. Quando crescerem, compreenderão.
Meus filhos, assim como todas as crianças, adoram a ideia de termos superpoderes. Afinal, os heróis são cultuados justamente por essa razão: podem algumas coisas a mais, além do normal, superiores. Um dia, me perguntaram qual superpoder eu desejaria para mim – uma questão dificílima de responder de improviso. Porém, um desafio dos mais interessantes.
Desejando estar à altura da expectativa deles, meu primeiro impulso foi o de escolher um entre os tantos dotes consagrados na tradição dos heróis. Voar, por exemplo. Este desejo acompanha a humanidade desde sempre. Pensando adiante, ser (tornar-se) invisível é outro fetiche contemplado por diversas obras de ficção, vindo a calhar em determinadas situações. Melhor mesmo só quando combinamos o poder de sumir ao de se materializar em qualquer outro ponto do planeta. Já pensou o quanto quem tivesse tais faculdades economizaria com gasolina ou passagens?
Continuei meu inventário: força desproporcional, visão à distância, alcance de elástico, imortalidade... Fiz um rápido passeio pelas mais diversas qualidades dos super-heróis famosos antes de escolher uma para mim. E acabei abandonando todas. O que respondi aos filhos pareceu ser bastante animador: se eu pudesse escolher um superpoder, ele seria o da eloquência. Sim, o poder do convencimento. Depois de hesitarem por alguns segundos, as crianças concordaram: seria um poder e tanto! Com isso, senti até o gostinho de ter tal capacidade.
O passo seguinte foi imaginarmos o que ganharíamos com o superpoder da persuasão. Conseguiríamos convencer alguém a trocar uma nota de um Real por outra de cem? Melhor: trocar o nosso carro antigo por uma Ferrari zero quilômetros, taco a taco? Melhor ainda: propor qualquer negócio deixando a outra parte com a sensação de que saíra levando vantagem? Namoraríamos os mais desejados astros e estrelas? Teríamos o emprego dos sonhos, o salário dos sonhos... Mas, vem cá, precisaríamos mesmo trabalhar em busca do sustento? Em questão de minutos, descobrimos uma força absurda no poder do convencimento. E, de quebra, o perigo que corremos de, com ele, atropelar a ética e nos locupletarmos. Enfim, fazer uso errado deste poder. Horrível!
Lembrei disso pensando em nossos Poderes da República. Excetuando o Judiciário, para o qual os candidatos prestam concurso público (e isso está longe de torná-lo infalível), os outros poderosos galgam suas posições por intermédio do voto. Logo, usam da persuasão para assumirem o Poder Legislativo e Executivo. E, revestidos destes Poderes, fazem o quê? Lamentavelmente, parece que nada do que esperamos dos super-heróis, isto é, proteger os fracos e oprimidos. O noticiário tampouco indica que lutem pela justiça, prendam os facínoras, impeçam as tragédias. Quem dera... Na verdade, alguns usam os superpoderes oferecidos pela democracia para levar vantagem em tudo, segundo a antiga (e famosa) Lei de Gérson.
Fiquei superdeprimido: o poder superior que desejei para mim, julgando-me superoriginal, já é exercido em diversas instâncias. Políticos superpersuasivos são eleitos e, imediatamente, passam a poder diversos poderes: podem voar (sem pagar), podem sumir (e fazer aparecerem laranjas), têm a força das leis a seu favor, usam a máquina estatal para tudo ver, esticam sua influência como um elástico sem fim... Alguns até são imortais. Além disso, ficam furiosos quando, abusando do poder, são flagrados pela igualmente poderosa imprensa.
Da próxima vez em que os filhos falarem sobre o tema, vou desejar diferente: quero só deixar de ser Superimbecil. Quando crescerem, compreenderão.
2 comentários:
Ate recentemente acreditava que sair do Brasil e mudar para um Pais... "decente"... resolveria essa questao.
Em vista das recentes acusacoes sobre as despesas pessoais dos politicos Britanicos pagas com dinheiro publico, comeco a acreditar que precisaremos em breve mudar de planeta.
Se a re-encarnacao existir de fato, vou pedir para mudar para um planeta com uma civilizacao... "decente".
Paulinho,
Acho que a tentação está presente em todas as esferas de poder, em qualquer país. O problema do Brasil é a certeza de impunidade e a falta de transparência (ninguém fica sabendo). Existir desvios de conduta na Inglaterra não nos redime, mesmo que isso seja usado por alguns como argumento. Errar é super humano...
Abração,
Rubem
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