9.7.09

Número 325

DORME, CAROLINA

Carolina nasceu de parto normal, três quilos e meio, 48cm. Conduzida ao colo da mãe pelo obstetra, ali, nos primeiros instantes, amassadinha e vermelha, não se parecia nem com ela nem com o pai: parecia, isso sim, cansada. E cansada permaneceu durante todo o período em que estiveram na maternidade – mal e mal cochilava, já abria os olhos outra vez. E chorava um pedido incompreensível que punha a mãe nervosa.

Quando deixaram o hospital, eram duas sem dormir. Por isso, talvez seguindo algum instinto, a mãe restringiu tanto quanto pode o assédio natural e carinhoso de amigos, vizinhos, tios e avós em sua casa. Invertendo o senso comum, não era ela quem adormecia quando Carolina pegava no sono: a menina que parecia descansar apenas quando a mãe, exausta, apagava. Porém, bastava alguém entrar no quarto para os olhos da criança se abrirem outra vez. E, com eles, o choro.

A estranha relação de Carolina com o sono quase terminou com o casamento. O marido, lógico, não aceitava com alegria sua expulsão do quarto do casal. Mesmo assim, reconhecia a necessidade, pois a filha não pregava o olho enquanto ele não se retirava. A salvação foi descobrir que ela ficava muito mais tranquila quando a própria mãe se ausentava, deixando-a só. A partir de então, viram Carolina dormir em seu próprio quarto, sozinha, porta fechada, tudo com menos de três meses de idade.

Nunca, porém, o sono da menina deixava de ser preocupação. Quando começou a falar, suas queixas eram estranhas: sombra, mamãe. E escureciam ao máximo o quarto. Lagartixa, mamãe: e caçavam o animalzinho no canto do teto. Mosquito, mamãe: bom, essa reclamação encontrava eco na normalidade. Aos cinco anos ela ganhou um pequeno aquário habitado por um peixe Beta. Colocaram sobre a escrivaninha, imaginando que seria bom para ela curtir a companhia. Na manhã seguinte, lá estava o aquário no corredor, do lado de fora da porta do quarto. Perguntaram a razão. Ele nada durante a noite, foi o que explicou Carolina.

Aos poucos o problema ficava claro: Carolina, desde que nascera, despertava com o menor movimento que percebesse. Por isso adormecia no escuro, sozinha, sem nada se mexendo ao redor. Também essa era a razão de ter destruído três móbiles dados pelo tio (e não uma suposta antipatia que imaginávamos). Dar-se conta desse problema a fazia sofrer, principalmente depois de passar a noite em claro na primeira, e única, vez em que foi dormir na casa de uma amiga. E, para receber colegas e primos em sua casa, só se dormissem na sala de TV. Viagens, passeios, excursões, campeonatos esportivos em outra cidade, nem pensar. E isso explicava o fato de se manter acordada dentro do automóvel, quando todas as crianças dormem ferrado em viagens.

Carolina cresceu. Os filhos sempre crescem. E muito mais rapidamente do que gostariam os pais. Hoje, já uma moça, como não poderia deixar de ser, a menina está namorando. Fernando é o nome do rapaz. Estuda Educação Física, tem quase dois metros de altura e ficou para dormir. Armaram para ele o sofá-cama da sala de televisão, na esperança de que se acomodasse com razoável conforto. Neste momento a mãe está na cama, mas não consegue dormir: o pai caminha de um lado para outro sem parar, bem na frente dela. É compreensível sua preocupação. Ao desconfiar de que algo se move para além de sua porta, teme que Carolina não esteja dormindo.

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