ANIVERSÁRIO
Aniversário é o dia em que nascemos visto ao longe, nós na janela de trás do ônibus, ele abanando na plataforma de partida. Todo ano nos viramos para conferir se ele ainda acena feliz e, depois de vermos seu sorriso – cada vez mais incrédulo, mas ainda firme –, fica mais fácil seguirmos a viagem.
No aniversário de casamento, por sua vez, somos nós solteiros quem ficamos na rodoviária, abanando para nós casados olhando da janela do assento compartilhado do ônibus. A diferença é que a esposa não gosta muito que olhemos constantemente para trás, nostálgicos, para vermos se aquela vida que deixamos ainda nos sorri. Mas, mesmo ralhando conosco, ela também aproveita para dar uma espiadinha para si, eufórica e saltitante, mandando beijos à distância.
Aniversário de morte são os afetos desembarcados do ônibus por terem chegado aos seus respectivos pontos, nós seguindo adiante. Tanto será mais belo, conquanto beleza e saudade possam conviver em harmonia, tanto mais estivermos sorrindo para quem amamos. Daí a importância de sinalizarem com sabedoria o ponto certo para a despedida. Ou, no mínimo, termos a certeza de que o trajeto percorrido levou todos a uma medida satisfatória de vida.
Meus primeiros aniversários, ainda nos anos sessenta do século passado, tinham sabor de pudim de leite. Um inteiro só para mim, pedia à mãe. Ela, sem falta ou espera, me dava o presente com amor e carinho. Era quando, ano após ano, eu compartilhava a sobremesa com a família. Um doce que excede o apetite, por mais desejado que seja, acaba sendo uma lição para a vida.
O décimo oitavo foi o mais aguardado, torcido, comemorado aniversário da minha vida. Com ele viria a sonhada habilitação de motorista, mil vezes mais importante do que o título eleitoral, outro documento bastante almejado. Também o passaporte para os filmes impróprios para menores – quase todos em tempos de censura. De lá para cá, a censura deu lugar aos dóceis critérios de classificação etária e jamais me envolvi em um acidente de trânsito que me causasse ferimentos, tristeza ou culpa. Porém, quisera ter sido tão bem sucedido com as eleições...
O aniversário repete algumas condições que existiam no momento do nascimento (ou morte). Por exemplo, o sol ilumina a terra de modo semelhante. Em algumas oportunidades, porém, nuvens escuras podem impedir que vejamos esse detalhe. E, mesmo na cálida presença solar, o tempo fará modificar todas as sombras projetadas – as árvores crescerão, a cidade será outra, nós mudaremos também.
Uma vez por ano, somos instigados a olhar para trás, para nossa plataforma de partida. É também quando a vida, a História e a morte sentam-se à mesma mesa em celebração de aniversário, seja ela de uma pessoa, de uma cidade, empresa, conquista ou tragédia. Ali estarão servidas lembranças frescas ou bem conservadas, surpreendendo nossa memória com muita clareza. E, entre comemorações e lamentos, ressentimentos e abraços, o que terá maior valor será a oportunidade de congraçamento, de partilha, de íntima comunhão – por mais legítimo que possa parecer o desejo de um exclusivo pudim de leite condensado.
Aniversário é o dia em que nascemos visto ao longe, nós na janela de trás do ônibus, ele abanando na plataforma de partida. Todo ano nos viramos para conferir se ele ainda acena feliz e, depois de vermos seu sorriso – cada vez mais incrédulo, mas ainda firme –, fica mais fácil seguirmos a viagem.
No aniversário de casamento, por sua vez, somos nós solteiros quem ficamos na rodoviária, abanando para nós casados olhando da janela do assento compartilhado do ônibus. A diferença é que a esposa não gosta muito que olhemos constantemente para trás, nostálgicos, para vermos se aquela vida que deixamos ainda nos sorri. Mas, mesmo ralhando conosco, ela também aproveita para dar uma espiadinha para si, eufórica e saltitante, mandando beijos à distância.
Aniversário de morte são os afetos desembarcados do ônibus por terem chegado aos seus respectivos pontos, nós seguindo adiante. Tanto será mais belo, conquanto beleza e saudade possam conviver em harmonia, tanto mais estivermos sorrindo para quem amamos. Daí a importância de sinalizarem com sabedoria o ponto certo para a despedida. Ou, no mínimo, termos a certeza de que o trajeto percorrido levou todos a uma medida satisfatória de vida.
Meus primeiros aniversários, ainda nos anos sessenta do século passado, tinham sabor de pudim de leite. Um inteiro só para mim, pedia à mãe. Ela, sem falta ou espera, me dava o presente com amor e carinho. Era quando, ano após ano, eu compartilhava a sobremesa com a família. Um doce que excede o apetite, por mais desejado que seja, acaba sendo uma lição para a vida.
O décimo oitavo foi o mais aguardado, torcido, comemorado aniversário da minha vida. Com ele viria a sonhada habilitação de motorista, mil vezes mais importante do que o título eleitoral, outro documento bastante almejado. Também o passaporte para os filmes impróprios para menores – quase todos em tempos de censura. De lá para cá, a censura deu lugar aos dóceis critérios de classificação etária e jamais me envolvi em um acidente de trânsito que me causasse ferimentos, tristeza ou culpa. Porém, quisera ter sido tão bem sucedido com as eleições...
O aniversário repete algumas condições que existiam no momento do nascimento (ou morte). Por exemplo, o sol ilumina a terra de modo semelhante. Em algumas oportunidades, porém, nuvens escuras podem impedir que vejamos esse detalhe. E, mesmo na cálida presença solar, o tempo fará modificar todas as sombras projetadas – as árvores crescerão, a cidade será outra, nós mudaremos também.
Uma vez por ano, somos instigados a olhar para trás, para nossa plataforma de partida. É também quando a vida, a História e a morte sentam-se à mesma mesa em celebração de aniversário, seja ela de uma pessoa, de uma cidade, empresa, conquista ou tragédia. Ali estarão servidas lembranças frescas ou bem conservadas, surpreendendo nossa memória com muita clareza. E, entre comemorações e lamentos, ressentimentos e abraços, o que terá maior valor será a oportunidade de congraçamento, de partilha, de íntima comunhão – por mais legítimo que possa parecer o desejo de um exclusivo pudim de leite condensado.
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