A BELA ENSURDECIDA
Bela, ao nascer, encantou a todos: seria a herdeira do legado artístico da família. O pai, produtor musical, e a mãe, cantora, chamaram compositores, intérpretes, instrumentistas, maestros e programadores da TV e rádio para a festa de boas vindas ao bebê. Por algum engano, porém, uma das correspondências não chegou. Justo aquela dirigida para a mais badalada apresentadora, Ibope altíssimo e fada madrinha dos artistas de destaque. Tomando como pessoal, a fada virou bruxa e rogou uma praga: aos quinze anos de idade, Bela espetaria o dedo em uma agulha de vitrola, perdendo a voz e o ouvido musical para sempre.
O pai se desesperou. Investiu todas as economias em empresas que desenvolvessem algo que aposentasse o disco. Num instante inventaram o K7 (cassete), tipo de fita magnética popular, muito mais delgada e barata do que as tradicionais. Recebida com entusiasmo, a novidade se tornou bastante difundida. Mas quem disse que o pessoal abria mão dos discos? Que nada: até criaram o três-em-um, uma espécie de plataforma de mídias para contar com a fita e o disco em um mesmo som. Nessas todas, Bela estudava nos melhores conservatórios e entoava com precisão clássicos do cancioneiro popular.
Sem poupar esforços, o pai arregimentou cientistas ocidentais e orientais numa ação revolucionária: a utilização do laser para tocar música. Costurou com muita habilidade interesses conflitantes e ajudou a desenvolver o compact-disc. Livre do incômodo de virar de lado, o pequeno disco prometia jogar os bolachões para o lixo da história tecnológica. Estranhamente, quem rumou para a extinção foi o cassete. Mesmo assim, os discos foram sendo gradativamente abandonados e, com eles, os toca-discos e suas malditas agulhas. Bela já cantava e seduzia platéias infanto-juvenis. Cientes de que o mundo pop era restritivo, os pais impunham doses de bossa-nova, jazz e MPB mais refinada – era preciso preservar o nível da princesinha.
Como cartada final, o pai de Bela tomou carona no incremento acelerado da informática para saudar a chegada do i-pod e do MP3. Também estimulou a difusão de músicas pela internet – um tiro no pé, segundo colegas produtores musicais. Azar! O que não podia era a sua amada filha ficar sem ouvido e voz. Porém, para seu desespero, movimentos contra-revolucionários defendiam a melhor qualidade sonora dos tradicionais LPs, elevando os antigos toca-discos, ainda que raros, ao patamar de fetiche.
Ah, a adolescência... Nos exatos quinze anos de idade, Bela foi até a casa de uma amiga e enlouqueceu ao ver um belíssimo prato Gründing. Sem saber lidar muito bem com aquilo, a pobre espetou o dedo na agulha, fazendo cumprir a profecia. Com voz de taquara rachada, contou aos pais, que imediatamente entraram em depressão. A bruxa, suplantando doses elevadas de botox, sorriu vingada.
Quando tudo parecia perdido, surgiu um jovem príncipe, também produtor musical. Ele vestiu roupas eróticas em Bela, contratou coreógrafo, assessor de imagem e o melhor técnico de som com seus afinadores digitais. Também obscuros compositores e venais poetas. Comprou espaços privilegiados na TV e catapultou a moça ao estrelato instantâneo. Casaram-se e se separaram várias vezes, sempre com generosos espaços em mídia espontânea. O casal enriqueceu em poucos anos duas vezes mais do que os pais de Bela, que morreram de desgosto fulminante vendo a filha rebolar em um clipe do youtube.
A bruxa, por sua vez, não morre tão cedo: apreciadora de música, seu castigo é viver com a internet, a TV e o rádio ligados em Bela e seus clones para se martirizar pela besteira que fez.
Bela, ao nascer, encantou a todos: seria a herdeira do legado artístico da família. O pai, produtor musical, e a mãe, cantora, chamaram compositores, intérpretes, instrumentistas, maestros e programadores da TV e rádio para a festa de boas vindas ao bebê. Por algum engano, porém, uma das correspondências não chegou. Justo aquela dirigida para a mais badalada apresentadora, Ibope altíssimo e fada madrinha dos artistas de destaque. Tomando como pessoal, a fada virou bruxa e rogou uma praga: aos quinze anos de idade, Bela espetaria o dedo em uma agulha de vitrola, perdendo a voz e o ouvido musical para sempre.
O pai se desesperou. Investiu todas as economias em empresas que desenvolvessem algo que aposentasse o disco. Num instante inventaram o K7 (cassete), tipo de fita magnética popular, muito mais delgada e barata do que as tradicionais. Recebida com entusiasmo, a novidade se tornou bastante difundida. Mas quem disse que o pessoal abria mão dos discos? Que nada: até criaram o três-em-um, uma espécie de plataforma de mídias para contar com a fita e o disco em um mesmo som. Nessas todas, Bela estudava nos melhores conservatórios e entoava com precisão clássicos do cancioneiro popular.
Sem poupar esforços, o pai arregimentou cientistas ocidentais e orientais numa ação revolucionária: a utilização do laser para tocar música. Costurou com muita habilidade interesses conflitantes e ajudou a desenvolver o compact-disc. Livre do incômodo de virar de lado, o pequeno disco prometia jogar os bolachões para o lixo da história tecnológica. Estranhamente, quem rumou para a extinção foi o cassete. Mesmo assim, os discos foram sendo gradativamente abandonados e, com eles, os toca-discos e suas malditas agulhas. Bela já cantava e seduzia platéias infanto-juvenis. Cientes de que o mundo pop era restritivo, os pais impunham doses de bossa-nova, jazz e MPB mais refinada – era preciso preservar o nível da princesinha.
Como cartada final, o pai de Bela tomou carona no incremento acelerado da informática para saudar a chegada do i-pod e do MP3. Também estimulou a difusão de músicas pela internet – um tiro no pé, segundo colegas produtores musicais. Azar! O que não podia era a sua amada filha ficar sem ouvido e voz. Porém, para seu desespero, movimentos contra-revolucionários defendiam a melhor qualidade sonora dos tradicionais LPs, elevando os antigos toca-discos, ainda que raros, ao patamar de fetiche.
Ah, a adolescência... Nos exatos quinze anos de idade, Bela foi até a casa de uma amiga e enlouqueceu ao ver um belíssimo prato Gründing. Sem saber lidar muito bem com aquilo, a pobre espetou o dedo na agulha, fazendo cumprir a profecia. Com voz de taquara rachada, contou aos pais, que imediatamente entraram em depressão. A bruxa, suplantando doses elevadas de botox, sorriu vingada.
Quando tudo parecia perdido, surgiu um jovem príncipe, também produtor musical. Ele vestiu roupas eróticas em Bela, contratou coreógrafo, assessor de imagem e o melhor técnico de som com seus afinadores digitais. Também obscuros compositores e venais poetas. Comprou espaços privilegiados na TV e catapultou a moça ao estrelato instantâneo. Casaram-se e se separaram várias vezes, sempre com generosos espaços em mídia espontânea. O casal enriqueceu em poucos anos duas vezes mais do que os pais de Bela, que morreram de desgosto fulminante vendo a filha rebolar em um clipe do youtube.
A bruxa, por sua vez, não morre tão cedo: apreciadora de música, seu castigo é viver com a internet, a TV e o rádio ligados em Bela e seus clones para se martirizar pela besteira que fez.
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