4.11.10

Número 394

TADINHA

Há quem goste de se colocar na posição de coitadinho. Provocar pena. Fragilizar-se. Diferente dos naturalmente humildes, ou dos inseguros, o coitadinho proposital faz uso metódico de sua posição sofredora. É um profissional da esmola, algo que pode ser (e é) muito mais do que a tradicional ajuda monetária no semáforo. Coitadismo é artifício, é proteção. Instância onde não há cobranças: o coitado nunca tem culpa. Nada mais confortável do que portar um salvo conduto obtido a partir de uma conspiração cósmica contra si.

Quer me deixar indignado? Diga que sou um coitadinho. Já fui vítima de injustiça, de violência, de humilhação. E quem não foi? Sofri feito cão vadio dos males do amor, fui caluniado... Até quiseram a minha caveira. Pequei por omissão e – ah, quanto me custa confessar – fui meio covarde em algumas situações. Coitado de mim? Jamais! Reuni forças e sempre tentei superar as adversidades, consciente de que a vida reserva tropeços para quem se dispõe a caminhar. Tombando, descobri muitos motivos para admirar as pessoas em suas vicissitudes: quanto mais sei de seus calos, mais aprecio sua coragem.

Quer me deixar ainda mais indignado? Chame alguém de coitado reiteradamente. Minha vontade é alertar: "Olha que horror, já estão te chamando de coitado. Faça alguma coisa, correndo!" Mas, quando parece consenso, quando o coitadismo vira escudo, dirijo a revolta para o outro lado: "Coitado, nada! Se faz de vítima para passar bem." Soa para mim como um habeas corpus para a incompetência, para a preguiça, para o masoquismo. Passaporte carimbado para uma vida parasitária. Deus me livre.

Este parecia ser o caso de Tadinha.

Ninguém se lembrava do seu nome: desde pequena, ainda na família, era Tadinha pra cá, Tadinha pra lá. Derrubava o vaso de flores e, tadinha, foi sem querer. Quando batia no rosto do irmão, tadinha, estava só se defendendo. Falava errado, não tinha deveres e ganhava cardápio especial porque, tadinha, era pequena. Cresceu e carregou o apelido para além muros. Levou-o consigo, inclusive, na mochila escolar. E as notas baixas de Tadinha passaram a ser explicadas por perseguições dos professores.

Casou-se com um homem bom. Alguém que compreendeu que, tadinha, era assim tão dada porque os outros abusaram de sua condição ingênua. Durante os votos de núpcias, pairava o silêncio nos bancos da Igreja: Tadinha, de todos, de tantos, escolhera o mais feio, o mais simplório. Mas, tadinha, já estava ficando para tia.

Tadinha não parava em nenhum emprego. Por isso, tadinha, vivia ganhando muita ajuda dos pais – tinha hábitos refinados e bom gosto; além de um marido esforçado, todavia mediano. Por isso, ninguém a culpou quando, tadinha, deu um pé na bunda do homem. Ele nunca estivera à sua altura. Claro que, agora que Tadinha estava com três filhos, o incompetente do ex deveria fazer de tudo para que nada faltasse.

As crianças cresceram meio soltas, pois, tadinha, não dava conta de tudo tão só. O mais velho foi para o mau caminho – acabou preso. Hoje, encontra-se foragido. A do meio se mudou para Minas Gerais. Tadinha não tem notícias da filha ingrata, que dizem estar bem situada na vida. O caçula não! Este está sempre com a mãe. Se bem que, grande coisa... Coitadinho, Tadinho tem muitas dificuldades. Os senhores aí, ou a senhora, não teriam como conseguir uma bolsa de estudos para o pobre garoto?

 

 

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