30.9.11

Solidão

Número 441

Todo inferno está contido nesta única palavra: solidão.

Victor Hugo

Rubem Penz

A solidão me aflige. Mirando-a em busca de sentido (teria?), notei um detalhe: a palavra solidão pode ser o superlativo de sólido. Algo como exageradamente sólido, impenetrável, duríssimo. Para quem procurava pistas, nascia um bom começo. Fui ao dicionário.

Sólido é tudo aquilo que não é cavo ou vazio por dentro. Solidão, por sua vez, prometeria ser o absolutamente preenchido. E não é que pessoas solitárias se vangloriam de serem, no duro, muito independentes! Se bastam, habitam com conforto e alívio o mundo interior, cheio de si. Ah, nesse sentido, não sou nem um pouco sólido... Estou mais para oco. Cabeça oca, coração oco, cheio de espaços para acomodar companhias e novidades. Talvez esteja aí a resposta para minha tristeza quando estou só.

Sólido é o mesmo que coeso, que rígido ou resistente. Logo, solidão seria o super firme, indestrutível. Veja: optar pela solidão é ou não é criar em torno de si um casco, uma fortaleza? Mas, refutando os ataques às suas posições, o sólido (o só) acaba por reprimir, também, aproximações amistosas. Também costuma estar fechado aquele que desconfia de todos. Na contramão, encontramos os se dispõem a negociar, abrir mão, duvidar de si. Conviver, infelizmente, é fragilizar-se.

Sólido é o incontestável e digno de confiança. Solidão, pelo exagero superlativo, seria possuir a sabedoria eterna, imutável e merecedora de plena fé. Bem isso: está sempre solitário o homem que aprisiona a razão, tomando-a apenas para si. Mesmo que não busque o isolamento como um propósito, nele chega por falta de parceiros, pois ninguém suporta quem jamais dá o braço a torcer ou admite o erro. Uma coisa é merecer fé, outra é assumir-se dogma.

Sólida é a substância bem definida. Ato contínuo, solidão deveria ser o conteúdo mais exato. Para quê buscar o outro, se estou bem acabado, pronto, determinado? No fim, sempre há solidão – no mínimo, na hora da morte. Precisamos de companhia apenas durante a caminhada. O solitário já fez suas escolhas e está satisfeito. É feliz assim. Quem está em dúvida, inseguro ou perdido, nunca deseja a solidão.

Na geometria, o sólido encontra-se fechado, delimitado nas três dimensões. Bom exemplo de solidão seria o paralelepípedo, a impenetrável rocha que sequer nos deixa arestas para duvidar de seu estado definitivo. Ele é reto nos ângulos e na vida. O perigo de estar com alguém é quebrar-se em cacos para, depois, reconstituir-se colando os fragmentos. Amando, convivendo, aberto para relações, o homem expõe suas falhas. O solitário não corre esse risco. Limite, isso é com ele.

Por essas e por outras que não me sinto sólido e, também por isso, sofro ao me flagrar só. Falta-me conteúdo, resistência, exatidão. Duvido tanto de mim, que jamais espero que outros depositem fé. Vivo para criar, e criação é ausência de certezas, limites ou dogmas. A solidão é meu inferno, mesmo que no paraíso das companhias haja muita desilusão e dor. Ainda assim, escolho o convívio – tenho, com ele, lucro líquido e etérea esperança.


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