Um verdadeiro negociador não nasce quando há o que ser conquistado, e sim na iminência de algo a ser perdido.
Para o primeiro caso, o déspota é mais eficaz.
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Um verdadeiro negociador não nasce quando há o que ser conquistado, e sim na iminência de algo a ser perdido.
Para o primeiro caso, o déspota é mais eficaz.
Número 473
Rubem Penz
Oferecer carona é uma ação de solidariedade e desprendimento. Significa conduzir terceiros em seu veículo de graça, super na boa. Ou, em suave contrapartida, com o desejo de compartilhar da companhia no trajeto. Acontece apenas quando se está com a mente aberta e o coração tranquilo. Em tempos de desconfiança patológica e individualismo crônico (justificáveis face à violência), pessoas dispostas a dar carona são raras como ararinhas azuis. É preciso preservá-las. E a melhor forma de fazê-lo é aprendendo a ser bom passageiro.
Há, basicamente, duas situações de carona: combinada e eventual. A primeira obedece a um trato, a outra segue as leis do acaso. Para ambas existe um manual de etiqueta não escrito. Desrespeitá-lo pode causar no motorista o perigoso arrependimento. Lembre-se: ao se arrepender, o motorista estará matando aos poucos o ânimo de ofertar caronas futuras. Isto é, deixando de reproduzir novas oportunidades, caminho da inexorável extinção.
O mandamento número um de quem pega carona combinada é ser pontual. O pidão consciente estará no local antes da hora aprazada. Também evitará que o motorista precise descer, chamar num interfone ou campainha, ajudar com bagagens. Jamais peça a quem ofereceu carona para que ele mude o caminho original. Adapte-se. Se ele oferecer alguma facilidade, aceite apenas depois da insistência: comece com um "não precisa" ou um "não queria dar trabalho". E, ao desembarcar, agradeça sorrindo – deixe sua melhor imagem seguindo no carro.
Para as caronas eventuais, aquelas pedidas a desconhecidos ou quando um vizinho repara em você esperando o ônibus, o mais importante é a simpatia não invasiva e a gratidão antecipada. Entre já agradecendo e seja tão cordial quanto econômico. Responda mais do que pergunte, fale apenas o indispensável e jamais discuta temas polêmicos. Uma pregação política, esportiva ou filosófica fará o motorista se arrepender até o último fio pubiano por tê-lo deixado embarcar.
Por fim, seja coadjuvante e peça licença para tudo. Jamais tome a iniciativa de trocar a estação de rádio. Não mexa no ar condicionado nem suba (desça) os vidros: diga que está com frio ou calor. Evite ao máximo mover as regulagens dos bancos, use cinto de segurança e, principalmente, não repare em nada. Se o motorista disser que o carro está sujo, responda "nem reparei". Bagunça das crianças? "nem reparei". Pelos do cão por tudo? "atchim, nem reparei". No porta-malas da consciência ele sabe que você reparou (sempre reparamos).
Lembre-se: o arrogante nunca oferecerá carona, enquanto o solícito merece respeito, simpatia e reconhecimento.
PS.: Li que em São Paulo um site oferece uma espécie de agendamento de caronas. É a nova linguagem encontrando o velho hábito para resolver graves problemas.
Número 471
Rubem Penz
Era uma vez Pedro, repórter investigativo muito articulado, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. Certo dia descobre algo muito perigoso. No jornal, a manchete:
"Lobo deixa apenas a carcaça de cordeiro no Sítio Pascoal"
E corre delegado, vereador, prefeito e padre para a cena do crime. Está lá o pobre cordeiro aos pedaços, subtraído pela gula mortal do Lobo. O problema é que o Lobo tem boas relações com a capital – não é bom negócio para a aldeia prejudicá-lo por um cordeirinho de nada. Somem com a carcaça e combinam a versão: alarme falso.
Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado e curioso, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No dia seguinte descobre algo muito mais grave. No jornal, a manchete:
"Carcaça de cordeiro do Sítio Pascoal encontrada em cova rasa"
E corre delegado, vereador, prefeito e padre para o local. O trabalho de ocultação da carcaça fora mal feito, mesmo. Não há mais competência na arte de sumir com evidências. Agora, a versão deve ser a de que não fora o Lobo a matá-lo, e sim um bicho de fora, da montanha, com certeza. O jornal estaria pretendendo ligar o cordeiro ao Lobo por interesses escusos.
Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado, curioso e determinado, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No terceiro dia descobre algo muito mais comprometedor. No jornal, a manchete:
"Testemunhas teriam visto Juvêncio retirando cordeiro do Sítio Pascoal"
E corre delegado, vereador, prefeito e padre para a casa de Juvêncio, que ganha uma passagem só de ida para a capital. Também articulam uma campanha difamatória para as supostas testemunhas, além de acusar Pedro em pessoa de ter ligações com a prima do dono do Sítio Pascoal – fizeram a 4ª série na mesma escola. O repórter não teria a isenção necessária.
Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado, curioso, determinado e inteligente, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No quarto dia descobre algo muito mais surpreendente. No jornal, a manchete:
"Delegado, prefeito, vereador e padre sabem e escondem a verdade"
E corre todo mundo até a prefeitura para formar um gabinete de crise. Era mais do que necessário blindar o Lobo, nem que fosse com alguma dose de sacrifício. Neste momento, um incêndio repentino encurrala o grupo, matando tragicamente as principais lideranças da aldeia.
Pedro, um repórter investigativo muito articulado, curioso, determinado, inteligente e ético, permanece dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. E descobre algo muito mais assustador no quinto dia. No jornal, a manchete:
"Incêndio na Prefeitura não foi um acidente"
Acontece que ninguém mais acredita nas notícias de Pedro.