RELATÓRIO DE RH
GERENTE: TERESINHA*
Sobre os candidatos a mim encaminhados:
• O primeiro currículo me chegou como vindo do florista: perfumado, em um envelope ametista. Papel na mesma cor (dois tons mais claro), impresso com tanta qualidade que as letras saltavam em relevo. Anexo, um cartão de aniversário simpático, ilustrado com um ursinho. Me senti uma rainha (onde teria descoberto a data?). Na formação do candidato, graduação, duas pós-graduações, diversas especializações no exterior e o domínio de quatro idiomas. Em nosso formulário – campo de observações –, dizia fazer questão de trabalhar com veículo próprio, além de possuir laptop, palmtop e telefone celular com internet, tudo ao nosso dispor. Me pegou tão desarmada que quase ganhou a aprovação. Mas como está muito acima da qualificação exigida para o cargo, escolada, recomendo o não.
• O segundo currículo me chegou como vindo de um bar. Literalmente, pois havia nele uma redonda, escura e açucarada mancha feita por uma xícara de café. Além de cheiro de cigarro e bebida impregnados no papel. A formação estava compatível com a vaga oferecida. Porém, curiosamente, usou o campo de observações para indagar sobre a história da empresa, além de colocar em dúvida a qualidade de nosso refeitório. Disse, também, já ter visitado nosso site, alterando, de propósito, diversos dados lá contidos. Queria provar que, sem investir em segurança na web, nossa empresa estará perdida. Isso me deixou tão desarmada que ele quase mereceu a contratação. Mas como não trouxe nenhuma carta de empregos anteriores, desconfiada, sugiro o não.
• O terceiro currículo não chegou no malote, junto com os outros, como era de se esperar. Apareceu na minha mesa, simplesmente. Nada ali contido indicava a qualificação do candidato para o cargo ofertado. Aliás, mal soube quem era ele, pois os campos de identificação estavam quase todos em branco. Se não fosse o apontamento no envelope, onde havia a vaga pretendida, o destino dos papéis seria a lata de lixo. A petulância de apresentar-se sem cumprir nenhuma prerrogativa me perturbava. Estava inclinada a nem cogitar o profissional quando, na última folha, sorrateiro, um post-it elucidativo me fez mudar de posição. Assim, indico, constrangida, para a vaga na Diretoria, o namorado do patrão.
* Livremente inspirado em Teresinha, de Chico Buarque, com tempero de Nelson Rodrigues.
2 comentários:
Ler textos com tanta inteligência e bom humor é sempre gratificante. Diverti-me imensamente com essa releitura de "Terezinha de Jesus", tão real, tão real...
Parabéns, amigo!
Obrigado, Frizero!
Mas, também, o material do Chico é riquíssimo para se trabalhar.
Abraço,
Rubem
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