19.7.07

Número 224


A ERA DE AQUÁRIO

 

Faz muitos anos, se não me engano em 1979, o mundo inteiro aplaudiu um musical cinematográfico adaptado do teatro chamado Hair Musical. Na peça, quarentona em outubro, uma música se destacava. Ela cantava a transformação que estava por vir no momento em que o mundo entrasse na Era de Aquário. Todos sabemos assobiar este tema. E, tanto quanto a dança na chuva de Gene Kelly, está firme na memória o ambiente de louvação presente na coreografia executadas pelos hippies.

 

Procurei informações sobre a tal Era e encontrei uma certa controvérsia. Para alguns estudiosos, Aquário regerá o mundo daqui mais de cem anos. Para outros, já está no comando. E, para um terceiro grupo, estamos vivendo um momento de transição entre a Era de Peixes e a de Aquário. Tenho a tendência de acreditar mais na posição moderada dos que defendem a transição por dois motivos: a paz e o amor prometidos estão longe de serem realidade. Mas a revolução tecnológica, típica do predomínio da razão, está em pleno curso.

 

Independentemente dos desígnios do céu, creio que o Brasil já está em sua Era de Aquário particular. Não bem aquela cantada pelos cabeludos dos anos sessenta. Explico: Nossas crianças brincam confiantes em locais desenvolvidos para propiciar segurança, aprimoramento físico e social, muitas vezes assistidas por profissionais de formação elevada e cercadas de cuidados por todos os lados. Bom, isso nos condomínios da classe média para cima, nos clubes e nas escolas particulares. Em outras palavras, os filhos daqueles que nasceram lá nos anos do Hair, e que lutam para garantir uma vida digna para a família, são criados em verdadeiros aquários.

 

Adiante, digo como acontecia a vida infanto-juvenil em Peixes: para comprar um disco, um livro ou uma calça jeans, eu, lambari, pegava um ônibus e rumava ao centro da cidade. Lá chegando, era como estar em mar aberto. Ao meu redor, cardumes de ambulantes vendiam desde agulhas até desentupidores de bicos de fogão; tinha a turma das roupas industrializadas e os hippies a ofertarem seus artesanatos; os vendedores de fitas K7 e aqueles que derrubavam bilhetes premiados nos pés de quem passava. Ciganos, prostitutas, aposentados, malandros, advogados, comerciantes, intelectuais, traficantes, um ecossistema riquíssimo estava na Rua da Praia (cresci em Porto Alegre). Naquele tempo, era preciso estar esperto. Mas, em Peixes, em regra, acontecia nada.

 

Hoje em dia, o mar aberto das avenidas ficou muito perigoso, com assaltos, seqüestros e assassinatos em grande número. A alternativa é circular em um ambiente climatizado, limpo, organizado, selecionado, bem iluminado, repleto de opções de entretenimento, planejado para o bem-estar e, o principal: seguro. Um lugar onde não é possível saber se chove ou faz calor, se já escureceu ou se o sol ainda brilha. Nas cidades grandes e médias, todos os que podem, optam por fazer os programas sociais e de compras no shopping center – uma metáfora perfeita para o aquário.

 

Paz, amor, liberdade, razão. Essas lindas promessas da ordem celeste pouco ou nada influenciam a Era de Aquário brasileira. Aqui, a guerra urbana, o desamor e a irracionalidade enclausuram as pessoas em ambientes preservados artificialmente. São prédios, muros, cercas, cancelas, portas giratórias e ar condicionado – uma vida em aquário. Um bem-estar comprado por poucos e à custa de muito investimento. Na contramão da ordem celeste, a desordem terrena atira os brasileiros no Aquário errado.

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