25.10.07

Número 238



Dividindo a felicidade com os leitores do Rufar:

 

O Y da questão, de Rubem Penz, está entre os finalistas para o 14° Prêmio Açorianos de Literatura, categoria crônica. A indicação, por si, já representa um grande prestígio ao autor: insere seu livro entre os três melhores no gênero, enquanto o habilita a concorrer, também, ao prêmio de Livro do Ano. O resultado final será conhecido em 13 de dezembro, na Noite do Livro. Parabéns, Rubem!

Editora Literalis

 

 

CONTO COM PATROCÍNIOS II

Literatura de resultados – Outdoor

 

A porta está encostada. Mal entra, Eduardo ouve Rita, do quarto, pedir um minuto só, que já estaria pronta. Conhecendo os minutos femininos, ele dá um ok e fecha a porta atrás de si. Atravessa a sala de estar com destino à sacada – busca uma brisa de verão. Apóia-se no parapeito metálico, cruza as pernas, fita o horizonte. Escuta, displicente, o atrito da cidade. Carrega consigo uma resolução.

 

Seu olhar é atraído por um enorme frontlight, daqueles de três tempos, no exato instante do piscar na troca de tela. Brilhante, um Mazzar preto de modelo esportivo se mostra inteiro, provocante, desafiador. Potência, velocidade, perícia, Carla... Sim, é Carla quem Eduardo vê por detrás do automóvel. Ela, sempre vestida de preto, disposta às mais loucas aventuras. Sua voz suave, suas curvas audaciosas, seu controle mesclando precisão e risco. Aquilo não era uma mulher, lembra, era uma máquina!

 

Mal se materializam as sensações, gira o painel. Agora, ele se depara com as panelas em inox Bacci & Lambi, fundo triplo. Aperta os lábios, estala a língua, saliva: surge Patrícia. Se existiu alguém para levar ao pé da letra a estratégia de sedução pelo estômago, foi ela. Mulher de mil sabores, de nuances, temperos exóticos e aroma convidativo. Com ela, não havia café da manhã sem uma surpresa – que dirá o jantar à luz de velas. Agridoce aqui, salgadinha ali, cremosa. Ah, Patrícia, a quente Patrícia...

 

Novo hiato de luz. Tênis Bluesport Action. Ângela. Conhecera em uma meia-maratona, de passagem. Ela estava de passagem, diga-se com justiça, ferindo de morte sua auto-estima. Por sorte, ainda dava um tempo na dispersão quando ele completou o percurso. Começaram a correr juntos, equilibrando o preparo físico. Não demorou nada até que colocassem seus corpos em outras provas de tirar o fôlego. O combinado sempre era: quem chegasse primeiro, fazia de tudo para o outro chegar também, sem jamais descansar. Bom mesmo era quando chegavam juntos. Muito bom.

 

Outra vez Carla, para acelerar. Muda para Patrícia, para saborear. Agora Ângela, para persistir. Absorto neste moinho de recordações, Eduardo demora até se perceber observado. Vira-se e lá está Rita: toda de vermelho, tomara-que-caia, braços erguidos e apoiados na porta de correr envidraçada. Pose de estrela de cinema. Ela sorri como a dizer – que tal? Eduardo fecha os olhos, conta até dois e os abre novamente. Ainda é Rita, na mesma posição, o sorriso um pouco apagado como quem pergunta – que foi?

 

Eduardo fecha e abre os olhos outra vez, com o mesmo vagar. Rita já não sorri. Suas mãos agora estão na cintura, punhos fechados, cenho franzido. Mesmo irritada, está linda. No bolso esquerdo da calça, ele carrega um par de alianças. Mas está paralisado. Mudo. Buzinadas soam ao longe, na grande avenida, denunciando pressa. Teme piscar outra vez – há o risco de não mais encontrar na frente sua exigente Rita. A vida não é um outdoor.

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