SAUDADE NA PONTA DOS DEDOS
Muita gente tenta entender a saudade. Muita gente tenta explicá-la. Outros tantos a cantam em versos dedicados (delicados?). Sevem-se de sua natureza de contrastes – uma alegria triste; uma melancolia que finda em uma lágrima desaguando em um sorriso. Tema recorrente, a saudade – lá vou eu me arriscar em palpites –, antes de ser um o quê, ou sua ausência, é um quando. Igual ao filho que se esconde na casa para assustar o pai que chega do trabalho, a graça da saudade, sua força, seu encantamento, reside em nos surpreender quando estamos distraídos. Mesmo que saibamos que ela estará sempre ali, na espreita, esperando a melhor oportunidade, ela vive de pregar peças.
Saudade é tempo. Saudade é passado. É o que se foi, ou o que um dia fomos. Por exemplo: morro de saudade do Ford Corcel azul 77 que dirigia até os vinte e poucos anos. Ainda sinto o seu cheiro e o toque frio do volante – tão liso de um lado, ondulado de outro. O ronco de seu motor ficará para sempre na memória, mesmo sabendo que nem de perto era contagiante como o dos possantes V8. Friamente, jamais trocaria o carro que tenho hoje para voltar a dirigir um Corcel. Aí que está: saudade, saudade mesmo, tenho de meus dezoito, vinte e poucos anos, e de tudo o que representava aquele carro para mim. Por isso, quando um Corcelzinho bem conservado cruza comigo no trânsito, assim de surpresa, bate a saudade.
Quando morava em um pequeno apartamento de um quarto, de aluguel, bem velhinho e nem tão bem equipado, eu sonhava e ter uma casa. De preferência com pátio. Melhor dizendo, nós sonhávamos, pois naquele espaço apertado nascia a minha família. Justamente por isso, por ser aquele um tempo assim precioso em minha vida, cheio de projetos, basta encontrar um ex-vizinho por entre os corredores de um supermercado para bater a saudade danada do apartamento no simpático bairro Petrópolis. Tão poucos metros quadrados, e tantas boas lembranças...
Ainda no final de semana, enquanto acompanhava meu filho em uma competição esportiva no ginásio da escola, senti saudade dos meus doze anos de idade. Não fui um atleta muito brilhante. Nem posso dizer que fui realmente um atleta, aliás. Porém, quando fora da quadra (por baixo, noventa por cento do tempo), a diversão estava garantida: à minha volta, juntavam-se os companheiros de charanga. Tarol, surdo, tamborim, ganzá e agogô, quase todos emparelhados no mesmo ritmo, enchíamos o espaço de animação. Saudade é um canto improvisado e caótico, motivando o time da turma, exaltando cada ponto ou cada gol.
Mas escolhi falar deste sentimento tão traiçoeiro por causa de uma passagem ainda mais recente. Este mês, em seu aniversário, meu pai teria completado setenta e três anos. No dia, claro, lembrei dele logo cedo. Estranhei um pouco não ter sentido uma arrebatadora saudade. Quase bateu uma culpa por causa da aparente frieza. Terça-feira, assistindo a um show musical, não pensei no pai nem mesmo quando entrou no palco o acordeonista Matheus Kléber – e olha que todo acordeão remete a ele, pois este era seu instrumento de músico bissexto. Permaneci com a memória distraída até reparar no movimento dos dedos do músico na direção das teclas graves: o que vi, foi a mão direita do meu pai. No ato, me deu um aperto no peito.
Não recordo do pai me fazendo qualquer carinho. Não era o jeito dele. Mesmo assim, quando o jovem acordeonista deslizou a melodia pela ponta dos seus dedos, foi como se a mão do pai me tocasse. Suave como um verso triste. Música para a minha pele. Tempo que ficou para trás. Muita saudade.
Muita gente tenta entender a saudade. Muita gente tenta explicá-la. Outros tantos a cantam em versos dedicados (delicados?). Sevem-se de sua natureza de contrastes – uma alegria triste; uma melancolia que finda em uma lágrima desaguando em um sorriso. Tema recorrente, a saudade – lá vou eu me arriscar em palpites –, antes de ser um o quê, ou sua ausência, é um quando. Igual ao filho que se esconde na casa para assustar o pai que chega do trabalho, a graça da saudade, sua força, seu encantamento, reside em nos surpreender quando estamos distraídos. Mesmo que saibamos que ela estará sempre ali, na espreita, esperando a melhor oportunidade, ela vive de pregar peças.
Saudade é tempo. Saudade é passado. É o que se foi, ou o que um dia fomos. Por exemplo: morro de saudade do Ford Corcel azul 77 que dirigia até os vinte e poucos anos. Ainda sinto o seu cheiro e o toque frio do volante – tão liso de um lado, ondulado de outro. O ronco de seu motor ficará para sempre na memória, mesmo sabendo que nem de perto era contagiante como o dos possantes V8. Friamente, jamais trocaria o carro que tenho hoje para voltar a dirigir um Corcel. Aí que está: saudade, saudade mesmo, tenho de meus dezoito, vinte e poucos anos, e de tudo o que representava aquele carro para mim. Por isso, quando um Corcelzinho bem conservado cruza comigo no trânsito, assim de surpresa, bate a saudade.
Quando morava em um pequeno apartamento de um quarto, de aluguel, bem velhinho e nem tão bem equipado, eu sonhava e ter uma casa. De preferência com pátio. Melhor dizendo, nós sonhávamos, pois naquele espaço apertado nascia a minha família. Justamente por isso, por ser aquele um tempo assim precioso em minha vida, cheio de projetos, basta encontrar um ex-vizinho por entre os corredores de um supermercado para bater a saudade danada do apartamento no simpático bairro Petrópolis. Tão poucos metros quadrados, e tantas boas lembranças...
Ainda no final de semana, enquanto acompanhava meu filho em uma competição esportiva no ginásio da escola, senti saudade dos meus doze anos de idade. Não fui um atleta muito brilhante. Nem posso dizer que fui realmente um atleta, aliás. Porém, quando fora da quadra (por baixo, noventa por cento do tempo), a diversão estava garantida: à minha volta, juntavam-se os companheiros de charanga. Tarol, surdo, tamborim, ganzá e agogô, quase todos emparelhados no mesmo ritmo, enchíamos o espaço de animação. Saudade é um canto improvisado e caótico, motivando o time da turma, exaltando cada ponto ou cada gol.
Mas escolhi falar deste sentimento tão traiçoeiro por causa de uma passagem ainda mais recente. Este mês, em seu aniversário, meu pai teria completado setenta e três anos. No dia, claro, lembrei dele logo cedo. Estranhei um pouco não ter sentido uma arrebatadora saudade. Quase bateu uma culpa por causa da aparente frieza. Terça-feira, assistindo a um show musical, não pensei no pai nem mesmo quando entrou no palco o acordeonista Matheus Kléber – e olha que todo acordeão remete a ele, pois este era seu instrumento de músico bissexto. Permaneci com a memória distraída até reparar no movimento dos dedos do músico na direção das teclas graves: o que vi, foi a mão direita do meu pai. No ato, me deu um aperto no peito.
Não recordo do pai me fazendo qualquer carinho. Não era o jeito dele. Mesmo assim, quando o jovem acordeonista deslizou a melodia pela ponta dos seus dedos, foi como se a mão do pai me tocasse. Suave como um verso triste. Música para a minha pele. Tempo que ficou para trás. Muita saudade.
4 comentários:
Lindo Mano!. Me emocionei. O tio deixou muita saudade mesmo e com certeza ele tambem esta com saudade de um contato mais interativo com voces. Mas o que acredito, e que sempre diminiu a saudade daqueles que partiram no meu caso, eh que eles ainda existem. Sao as mesmas pessoas que eram antes, descontado o que porventura tenham aprendido com a experiencia da desencarnacao e a queda gradual do veu do esquecimento. Quando voce pensar nele com carinho ele estara a teu lado, assim como quando nós nos formos estaremos sempre ao lado de nossos filhos quando eles precisarem da nossa atencao ou quando a saudade bater.
Grande abraco.
Paulo H.
Sim, Paulinho. Ele estava ao meu lado naquele momento. E pergunto: quando não está?
Abração,
Rubem
Numa das minhas visitas ao museu da PUC, a Claudia Malabarba me contou uma história sobre saudade. Na época, o seu filho mais velho, Artur, devia ter uns oito ou nove anos. Como todo bom biólogo, a Claudia viajou para fazer trabalho de campo - coletar fósseis, quer coisa mais bacana do que isso...? Quando chegou de volta em casa, seu filho a abraçou forte e longamente. Depois de desgrudar da mãe, ele comentou que 'saudade' era uma coisa muito estranha. Por que, meu filho? A óbvia pergunta da mãe. Porque a a gente não consegue parar de pensar na pessoa, e é uma coisa que aperta muito no peito. Daí a gente se encontra, dá um abraço e a 'saudade toda' passa em um segundo!
Comparando a saudade do Artur e as outras saudades que tu descreves, Mano, me dei conta de uma coisa muito simples. Ao longo da vida, a gente vai acumulando saudades. Algumas vão passar, quando a gente revê um velho amigo. Outras simplesmente vão fazer parte permanente da nossa bela coleção de fósseis.
c'
Bem isso Carlinha.
E o Artur, hoje, já deve ser universitário, não? O tempo é cruel...
Beijo,
Mano
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