TORMENTOS, ARGUMENTOS E DOCUMENTOS
Se tamanho fosse documento, o elefante seria o dono do circo. Se tamanho fosse documento, era o homem quem puxava a carroça. Tais e outros argumentos com a mesma natureza estavam sempre na ponta da minha língua quando eu era pequeno. Não que hoje eu seja lá muito grande... Mas quando eu era pequeno, eu era muito menor do que os outros. Além de baixinho, miúdo. Magro de fazer a mãe, excelente cozinheira, passar vergonha. Não que eu tenha galgado muitos quilos na balança...
As frases prontas saltavam de minha boca por um só motivo: nunca me deixar diminuir pelo tamanho. Estar à altura dos amigos e colegas era um compromisso de guerra; bons argumentos, meu cavalo de batalha. Nas aulas de história, cedo reparei no porte físico de Napoleão, contrapondo-se com a saga de suas conquistas. A grandeza de alguém jamais deveria ser medida em centímetros de altura, mas na elevação de seu caráter, de suas aspirações. Os sonhos também seriam parâmetro mais fiel para a verdadeira estatura de um homem.
Na teoria tudo faz sentido. Mas na prática não era nada fácil. Sou de uma geração em que as turmas de primário, o ensino fundamental da década de setenta, perfilavam-se antes de entrar na sala de aula. E o sistema estabelecido para esta sessão de ordem unida era, da frente para trás, do menor para o maior – gigantes no fundo. E eu era tão pequeno, mas tão pequeno, que, para ser o primeiro da fila, precisava ficar na ponta dos pés. Vacilando, ganharia a pole position de todas as turmas, mesmo as de séries mais novas. Um vexame.
Na hora das disputas no braço também me via em maus lençóis. Nos dias de hoje, as crianças brigam menos do que em outros tempos, muitíssimo menos. A mediação de adultos e professores, agora sempre por perto, tende a suavizar as relações entre os pequenos. É muito feio bater no amigo, falam todos os dias, a toda hora. Antes, feio era apanhar do amigo. E, se os amigos batiam, imagina só o risco que se corria com os inimigos. O pau comia na escola, no bairro, na praia. E não adiantava muito meu ano e pouco de judô: contra o gorila, a técnica do sagui é irrelevante. Mais valia os planos de fuga – um paliativo, jamais a solução.
Se tamanho fosse documento, a girafa era a rainha das selvas, eu dizia. O problema estava em convencer a linda girafa que sentava ao meu lado na sala de aula de que meu reinado estava garantido desde o signo. Na sexta série, por exemplo, a menina mais baixa livrava de mim meia cabeça. A mais alta, meio corpo. E, mesmo o amor sendo reconhecidamente cego, todos os demais sentidos conspiravam contra meus anseios. Na pré-adolescência, fase em que transitamos da infância para o abismo, descobri a diferença entre o amor e a amizade: mais ou menos dez centímetros. Platão foi meu mentor amoroso.
Não: minha infância não foi um mar de tormentos e frustrações. Até porque tal quantidade de água não me daria pé. Como disse, quando me acusavam de baixinho, as respostas saltavam ligeiras. Jamais me deixei diminuir. Logo, o eventual destaque que tive ao capitanear a fila do pátio, usei para me tornar bastante conhecido. A dificuldade no combate corporal aguçou a diplomacia. À amizade das mulheres credito uma sensibilidade útil nos dias de hoje, quando o diálogo parece fundamental para as relações. Porém, se eu pudesse escolher, juro, queria passar a vida inteira em uma altura média. Tamanho, que inferno, sempre foi documento. Senão eu poderia dispensar a retórica – correndo o risco de jamais virar cronista.
Se tamanho fosse documento, o elefante seria o dono do circo. Se tamanho fosse documento, era o homem quem puxava a carroça. Tais e outros argumentos com a mesma natureza estavam sempre na ponta da minha língua quando eu era pequeno. Não que hoje eu seja lá muito grande... Mas quando eu era pequeno, eu era muito menor do que os outros. Além de baixinho, miúdo. Magro de fazer a mãe, excelente cozinheira, passar vergonha. Não que eu tenha galgado muitos quilos na balança...
As frases prontas saltavam de minha boca por um só motivo: nunca me deixar diminuir pelo tamanho. Estar à altura dos amigos e colegas era um compromisso de guerra; bons argumentos, meu cavalo de batalha. Nas aulas de história, cedo reparei no porte físico de Napoleão, contrapondo-se com a saga de suas conquistas. A grandeza de alguém jamais deveria ser medida em centímetros de altura, mas na elevação de seu caráter, de suas aspirações. Os sonhos também seriam parâmetro mais fiel para a verdadeira estatura de um homem.
Na teoria tudo faz sentido. Mas na prática não era nada fácil. Sou de uma geração em que as turmas de primário, o ensino fundamental da década de setenta, perfilavam-se antes de entrar na sala de aula. E o sistema estabelecido para esta sessão de ordem unida era, da frente para trás, do menor para o maior – gigantes no fundo. E eu era tão pequeno, mas tão pequeno, que, para ser o primeiro da fila, precisava ficar na ponta dos pés. Vacilando, ganharia a pole position de todas as turmas, mesmo as de séries mais novas. Um vexame.
Na hora das disputas no braço também me via em maus lençóis. Nos dias de hoje, as crianças brigam menos do que em outros tempos, muitíssimo menos. A mediação de adultos e professores, agora sempre por perto, tende a suavizar as relações entre os pequenos. É muito feio bater no amigo, falam todos os dias, a toda hora. Antes, feio era apanhar do amigo. E, se os amigos batiam, imagina só o risco que se corria com os inimigos. O pau comia na escola, no bairro, na praia. E não adiantava muito meu ano e pouco de judô: contra o gorila, a técnica do sagui é irrelevante. Mais valia os planos de fuga – um paliativo, jamais a solução.
Se tamanho fosse documento, a girafa era a rainha das selvas, eu dizia. O problema estava em convencer a linda girafa que sentava ao meu lado na sala de aula de que meu reinado estava garantido desde o signo. Na sexta série, por exemplo, a menina mais baixa livrava de mim meia cabeça. A mais alta, meio corpo. E, mesmo o amor sendo reconhecidamente cego, todos os demais sentidos conspiravam contra meus anseios. Na pré-adolescência, fase em que transitamos da infância para o abismo, descobri a diferença entre o amor e a amizade: mais ou menos dez centímetros. Platão foi meu mentor amoroso.
Não: minha infância não foi um mar de tormentos e frustrações. Até porque tal quantidade de água não me daria pé. Como disse, quando me acusavam de baixinho, as respostas saltavam ligeiras. Jamais me deixei diminuir. Logo, o eventual destaque que tive ao capitanear a fila do pátio, usei para me tornar bastante conhecido. A dificuldade no combate corporal aguçou a diplomacia. À amizade das mulheres credito uma sensibilidade útil nos dias de hoje, quando o diálogo parece fundamental para as relações. Porém, se eu pudesse escolher, juro, queria passar a vida inteira em uma altura média. Tamanho, que inferno, sempre foi documento. Senão eu poderia dispensar a retórica – correndo o risco de jamais virar cronista.
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