11.3.09

Número 308

SOMOS O QUE ESCUTAMOS

Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?

Antunes, Fromer & Brito

Pergunte a um nutricionista o que aconteceria com uma criança ou adolescente cuja dieta fosse resumida a macarrão instantâneo. Mesmo sem ser um estudioso da matéria, posso adiantar com segurança que o jovem teria seu desenvolvimento fisiológico severamente prejudicado, apesar de ele não morrer de fome. Aliás, talvez até engordasse.

Agora, pergunte a um músico (ou poeta) o que aconteceria com uma geração inteira cujas obras prediletas cozinhassem em três minutos, pudessem ser engolidas sem mastigar e tivessem todas o mesmo gosto. E, depois de exigir esforço digestivo nenhum, elas quase nada nutrissem. Pois lamento informar que essa turma de ouvidos e consciências repletos de vento engorda entre nós.

A comparação entre a música popular que roda nos pratos (essa é velha) com o macarrão instantâneo pode até parecer forçada, mas é lamentavelmente correta. O que os produtores têm feito de melhor nos últimos anos é garimpar talentos submissos, moldar, embalar e rotular: sabor poprock, sabor sertanejo, sabor pagode, reagge, funck, melancia. Então, a base pálida é temperada despejando o envelope que contém figurino descolado, coreografia sensual e assessoria de imprensa com seus factóides pontuais.

Se não bastasse, depois de alcançada a fervura popular, artista e fã saem convencidos de que sucesso é sinônimo de qualidade na mesma medida em que barriga cheia é igual à nutrição. E que muitos anos de estudo ou aprimoramento formal é mera perda de tempo: todos querem consumir o que se engole mais rápido, surdos para as nuances. Cardápio turbinado pela internet, onde celebridades nascem, se reproduzem e morrem na velocidade de uma Drosophila Melanogaster.

Porém, atirar nas largas costas do mercado a culpa da sofrível condição da música popular brasileira (MPB), cuja perda de status é tão grande que ninguém mais se orgulha de pertencer à sigla, é uma redução conveniente. Pode-se dizer que miojos melódicos estão cada vez mais presentes nas prateleiras das rádios e demais veículos de comunicação. (Em algum momento foi diferente?) Apesar disso, obras eruditas, instrumentais, folclóricas, vanguardistas etc, bem ou mal, também estão expostas. E melhor estarão posicionadas quanto mais forem consumidas.

Logo, entre outras, é obrigação dos pais educar o paladar musical dos filhos, ao invés de adotar a confortável tese de que não adianta insistir ‒ eles só gostam de canções de massinha, mesmo. O caso ficará mais grave quando eles chegarem na adolescência: passar pela mais determinante fase de crescimento intelectual e afetivo sem ter a mínima profundidade musical vai gerar, para sempre, uma perda de vitaminas e sais minerais indispensáveis para o desenvolvimento do senso crítico. Sim, pois é na juventude que nossa bagagem estética é consolidada.

Bom, empurrar doses elevadas de jazz goela abaixo da meninada não será solução. Porém, se um jovem chegar até os vinte anos sem ouvir qualquer notícia de Pixinguinha, ou Noel Rosa, Villa Lobos, Cartola, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Chico Buarque, Egberto Gismonti, Milton Nascimento etc (a lista é grande), que não coloquem a culpa no KLB, no Latino ou na Cláudia Leite (outra lista enorme). Estes últimos entregam o que prometem e, com certeza, matam a fome. O problema é: nossos jovens devem ter fome de quê? Afinal, serão, até a última migalha, fruto do que escutarem.

2 comentários:

Paulo Seth disse...

Na minha geracao os filhos cresciam escutando o que os pais escutavam. Nao haviam MP3 players, iPods, etc. As familias quando muito tinham 1 aparelho de som. Ate radios de pilha eram objetos cobicados. Tudo contribuia para que o gosto musical dos pais se fixasse mais, quer os filhos compartilhassem do mesmo gosto ou nao. Hoje technologia se tornou tao acessivel que qualquer um pode ter seu MP3 player a ate criancas de 1a. serie sabem como acessar a internet para baixar a musica que gostam ou que a midia os obriga a gostar. Sinto em mim proprio tambem que os adultos agora tem menos tempo para escutar musica.
Aqui onde moro a industria da musica e a propria cultura do povo parecem ser mais amadurecidos, neste sentido (musicalmente o Brasil da atualidade me da vontade de vomitar). Apesar disso tudo tendo a acreditar que este eh apenas mais um dos choques de geracao pois quando escutei certas musicas que jovens dai parecem gostar faco a mesmo cara que meu pai fazia quando escutava as minhas musicas (a diferenca eh que ele me obrigava a desligar o aparelho).
Nesta nota, fica o fato que Michael Jackson (um dos preferidos do meu filho de 9 anos) vendeu 1 milhao de tickets esgotando a lotacao das casas na 1a. 1/2 h de disponibilidade e que alguns desses tickets agora estao disponiveis no ebay por 90 mil dolares. Tudo vai, mas eventualmente tudo volta.

Rubem Penz disse...

Paulo Henrique,
Tens razão: antigamente, todos escutavam a mesma programação, ditada pelos pais (os donos da bola). Hoje, cada um tem um ipod grudado direto nas orelhas. Mas, se os próprios pais estiverem com essa porta fechada (fone de ouvido), jamais poderão pedir para que os filhos escutem algo além do que o ipod despeja direto no ouvido. Audições coletivas: essa deve ser a ordem. Ao menos de vez em quando...

Abração,
Rubem

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