EXPRESSO
Entrei no bistrô para ali investir o precioso lapso de tempo que a manhã me proporcionava. Mal sentei à janela, o garçom se aproximou no ritmo ideal: nem tão rápido que sugerisse a ansiedade latente de um estabelecimento vazio, nem tão lento como a indicar um bom motivo para o grande número de mesas desocupadas. Solícito, me alcançou o cardápio, recolhendo-o diante do meu gesto de dispensa. Eu já sabia o que pedir.
– Preciso de uma crônica, por favor.
O garçom inclinou a cabeça, apertou suavemente os lábios e arqueou a sobrancelha. Demorou alguns segundos processando o pedido: quem sabe algo em mim não indicasse tal preferência? Buscando mais informações, perguntou se eu desejava um acompanhamento.
– Não, obrigado. Por hora, nada mais.
Ele assentiu, deu um passo curto para trás, girou e partiu na direção do grande balcão de madeira. Virei-me para a janela e deixei que a música ambiente se fizesse notar: Billie’s Bounce, do Charlie Parker. Na falta de alguém para conversar, aí estava o jazz para ser a boa companhia durante a espera...
Do lado de fora, a cidade não parecia sentir nem um pouquinho a minha falta. Os automóveis seguiam em sua habitual urgência, quase não acreditando ser necessário parar para atender a ordem do semáforo de pedestres. Quem estava a pé dividia-se entre taciturnos e distraídos. Todos, porém, dentro e fora dos carros, pareciam colocar o pensamento logo adiante – para o que lhes esperava –, esquecendo de viver o presente. Ninguém olhava para ninguém.
Uma moça de casaco claro, meio tom acima do cachecol, falava sozinha. Procurei por aquele ridículo fio em sua orelha que indicasse o uso do estranho vivavoz do telefone celular. Nada. Melhor assim... A impressão do lado de cá da vitrine era de que ela fazia um ensaio. Isso: ela repassava o texto, com direito a suas diversas nuances. Quando recebeu o sinal verde, partindo para meu lado da rua, uma das mãos mantinha a bolsa firme contra o corpo, e a outra, fechada, apertava-se com energia. Fosse o que fosse o motivo da palestra íntima, parecia sério.
Neste instante, um motoqueiro de entregas ameaçou disparar sobre ela, avançando na faixa de segurança. A mão que estava crispada se espalmou como quem grita pare, ao mesmo tempo em que o corpo saltava para o lado. A mim, que assistia, coube apenas puxar o ar em sobressalto. Os dois trocaram olhares e, cada um com suas razões, xingamentos. Ambos terminaram suas tarefas: ela atravessou a rua, ele prosseguiu com sua roleta russa.
O garçom chegou com a xícara fumegante, atraindo a minha atenção. Dentro dela, o líquido escuro e aromático estava coberto por uma diáfana espuma. Indicou onde estavam o açúcar e o adoçante, se quisesse, e ofereceu um biscoito de canela para acompanhar. Mesa posta, incluindo a comanda de pagamento, retirou-se assim que agradeci.
Quando voltei os olhos para a vitrine outra vez, procurei, mas não vi a moça do cachecol. Todos os demais prosseguiam com sua ensimesmada pressa metropolitana – como se aquela esquina existisse apenas para ser abandonada o quanto antes. Respirei fundo. Ou melhor, suspirei. Agora, ao som de Round Midnight, de Thelonius Monk. Porém, enquanto balançava a cabeça como quem diz que tudo está errado – minha vez de falar sozinho –, reparei que a tal moça entrara no bistrô.
Esperança: mais alguém na sexta-feira de manhã teria disposição para fazer a breve pausa de ler uma crônica. Ou até de servir de inspiração.
Entrei no bistrô para ali investir o precioso lapso de tempo que a manhã me proporcionava. Mal sentei à janela, o garçom se aproximou no ritmo ideal: nem tão rápido que sugerisse a ansiedade latente de um estabelecimento vazio, nem tão lento como a indicar um bom motivo para o grande número de mesas desocupadas. Solícito, me alcançou o cardápio, recolhendo-o diante do meu gesto de dispensa. Eu já sabia o que pedir.
– Preciso de uma crônica, por favor.
O garçom inclinou a cabeça, apertou suavemente os lábios e arqueou a sobrancelha. Demorou alguns segundos processando o pedido: quem sabe algo em mim não indicasse tal preferência? Buscando mais informações, perguntou se eu desejava um acompanhamento.
– Não, obrigado. Por hora, nada mais.
Ele assentiu, deu um passo curto para trás, girou e partiu na direção do grande balcão de madeira. Virei-me para a janela e deixei que a música ambiente se fizesse notar: Billie’s Bounce, do Charlie Parker. Na falta de alguém para conversar, aí estava o jazz para ser a boa companhia durante a espera...
Do lado de fora, a cidade não parecia sentir nem um pouquinho a minha falta. Os automóveis seguiam em sua habitual urgência, quase não acreditando ser necessário parar para atender a ordem do semáforo de pedestres. Quem estava a pé dividia-se entre taciturnos e distraídos. Todos, porém, dentro e fora dos carros, pareciam colocar o pensamento logo adiante – para o que lhes esperava –, esquecendo de viver o presente. Ninguém olhava para ninguém.
Uma moça de casaco claro, meio tom acima do cachecol, falava sozinha. Procurei por aquele ridículo fio em sua orelha que indicasse o uso do estranho vivavoz do telefone celular. Nada. Melhor assim... A impressão do lado de cá da vitrine era de que ela fazia um ensaio. Isso: ela repassava o texto, com direito a suas diversas nuances. Quando recebeu o sinal verde, partindo para meu lado da rua, uma das mãos mantinha a bolsa firme contra o corpo, e a outra, fechada, apertava-se com energia. Fosse o que fosse o motivo da palestra íntima, parecia sério.
Neste instante, um motoqueiro de entregas ameaçou disparar sobre ela, avançando na faixa de segurança. A mão que estava crispada se espalmou como quem grita pare, ao mesmo tempo em que o corpo saltava para o lado. A mim, que assistia, coube apenas puxar o ar em sobressalto. Os dois trocaram olhares e, cada um com suas razões, xingamentos. Ambos terminaram suas tarefas: ela atravessou a rua, ele prosseguiu com sua roleta russa.
O garçom chegou com a xícara fumegante, atraindo a minha atenção. Dentro dela, o líquido escuro e aromático estava coberto por uma diáfana espuma. Indicou onde estavam o açúcar e o adoçante, se quisesse, e ofereceu um biscoito de canela para acompanhar. Mesa posta, incluindo a comanda de pagamento, retirou-se assim que agradeci.
Quando voltei os olhos para a vitrine outra vez, procurei, mas não vi a moça do cachecol. Todos os demais prosseguiam com sua ensimesmada pressa metropolitana – como se aquela esquina existisse apenas para ser abandonada o quanto antes. Respirei fundo. Ou melhor, suspirei. Agora, ao som de Round Midnight, de Thelonius Monk. Porém, enquanto balançava a cabeça como quem diz que tudo está errado – minha vez de falar sozinho –, reparei que a tal moça entrara no bistrô.
Esperança: mais alguém na sexta-feira de manhã teria disposição para fazer a breve pausa de ler uma crônica. Ou até de servir de inspiração.
3 comentários:
Quando tua cara metade descobrir que cachecois que nao os dela andam te servindo te inspiracao a musica sera...
... "There may be trouble ahead, but while there’s music and moonlight and love and romance, let’s face the music and dance"
Paulinho,
o que são cachecóis diante de um amor que já dura 15 anos?
Abração!
Rubem
Daniel,
Muito grato!
Abraços,
Rubem
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