27.7.12
As vísceras da paixão
20.7.12
Romeu & Julião
Número 482
Rubem Penz
Shakespeare me perdoará. Primeiro, pelo trocadilho do título. Depois, pela dessemelhança com sua história, desperdiçando o chiste. Mas juro que isso tudo aconteceu.
Nossa história começa no dia em que a família de Rodrigo chega para morar na vizinhança e, já no primeiro dia, desentende-se com o dono da casa ao lado. Um motivo bobo, a manobra desastrada do caminhão de mudanças, desencadeia uma discussão áspera e o mal está feito. Alheio a tudo, o menino Rodrigo conhece Júlio, ou, como condiz ao amplo porte físico, Julião. Tornam-se amigos.
Por mais que um patriarca reclamasse do outro, ou que erguessem muros mais altos para sequer se olharem, os filhos ficam cada vez mais amigos, a ponto de serem apelidados pelo professor de história, que morava defronte, de Romeu & Julião. O apelido pega e Rodrigo vira Romeu para o bairro inteiro. No colégio, o nome está correto na lista de chamada, mas, de colegas a mestres, todos chamam Rodrigo de Romeu. Romeu & Julião. Inseparáveis.
No começo, Romeu ainda pequeno, a família o proíbe de ir à casa de Julião. O que não adianta em nada, já que os dois ficavam na rua o tempo todo. Na juventude, Romeu desconsidera a ordem e passa tardes e noites do outro lado do muro. Ele e muitos mais: Julião morava numa casa de italianos do tipo acolhedora, com cozinha grande e comida farta – ideal para adolescentes. Promovem festas até tarde, normalmente interrompidas pela polícia (supunham que era o pai do Romeu quem chamava os home).
Bom, quem espera por um romance gay, agora se decepcionará: o que separa os amigos é, primeiro, o Exército: Julião resolve seguir carreira, para decepção do professor, homem de esquerda, eternamente ressentido com a caserna por causa do passado recente. O tiro de misericórdia é dado por Ana, colega de Romeu na faculdade, moça que o arrasta para um bairro distante, onde ele volta a ser Rodrigo. Por fim, quando Julião é transferido para o Espírito Santo, a dupla fica unida tão somente por recordações e raros encontros.
Da última vez que se falaram, e nem faz muito, o assunto foi o passamento do professor. Câncer. A mãe do Romeu e pai do Julião também estavam falecidos. Parece que o tempo e as mortes suavizaram o atrito entre as famílias. Há quem diga mais: que na grande cozinha italiana tem sempre outro prato à mesa, além do da viúva. Coisa de romance... Mas ninguém comenta isso com Romeu & Julião. Não é bom facilitar: aquela outra história termina em tragédia.
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18.7.12
Notícia musical
Folia do Divino, música em parceria com Marcelo Delacroix, foi selecionada como finalista do Festival de Música Unijuí/FM Cultura.
Agora, a fase mais competitiva: os votos que decidirão são os dos ouvintes. Portanto, convido todos a ouvir. E votar!
http://www1.unijui.edu.br/noticias-unijui-fm/14551-selecionadas-as-musicas-do-2-festival-de-musica-da-unijui-fmrw
13.7.12
Dos pesadelos
Número 481
Rubem Penz
Sonhamos acordados e, igualmente, temos muitos pesadelos rondando nossa vigília. Mais: se vários sonhos são comuns a todos, há, também, pesadelos compartilhados. Um deles – dos mais frequentes – é o medo de que ninguém apareça na festa que você organiza com tanto apreço. Confesso meu pânico.
Enquanto quem convida está ocupado com os preparativos (contratando a comida, colocando a bebida no gelo, ajustando os detalhes da decoração), não há clima para temeridades, ou tempo, ou espaço. O foco está em prevenir sobressaltos de última hora, garantir a qualidade dos serviços, estar pontual no cronograma. Cumpridas todas as tarefas, nasce a dúvida: e se ninguém vier?
Pensa-se no prejuízo material, sim. No desperdício de comida, também. Mas o que realmente apavora é o abalo emocional que sofreremos caso ninguém apareça. São minutos que duram horas. As mãos ficam molhadas, os pés inquietos, o pensamento rumina cenários de catástrofe. Por instantes estamos reféns da solidão, e o primeiro amigo será tão importante quanto a silhueta de um navio no horizonte do náufrago. Ele, o primeiro, reconhecerá no abraço recebido o acerto em ter chegado assim cedo.
Mas, se em festas de salão ou residenciais o mico de ser esquecido é ameaçador, ele ao menos tem a vantagem de ser privado. Semana passada estive exposto à mesma angústia, com o agravante de estar em público. Explico.
Programei um jantar entre queridos amigos – a velha e invencível combinação de boa mesa e melhor papo. Como de costume, a lista de presença virtual cresceu feito capim em verão chuvoso. Que alegria! No dia e hora aprazados (aliás, quinze minutos antes, para dar tempo de contornar eventualidades), lá estava eu, solitário, ocupando uma mesa para trinta lugares. Trin-ta lu-ga-res... Ao redor, o restaurante começou a encher.
Paranoico, imaginava os outros a lamentar minha situação, quem sabe por já terem passado por igual suplício. A toda hora o garçom vinha na mesa e me oferecia qualquer coisa – não sei se dividindo a dor ou apenas vendendo seu peixe. Até a chegada da primeira companhia, nem mesmo o excelente chope me fazia feliz. Enfim, com ela, acendeu a luz no fim do túnel. Ah, e o jantar bombou.
Histórias de aniversariantes solitários em meio a bolos, velas e balões vicejam como lendas urbanas. Nunca passei por isso e, mesmo assim, morro de medo a cada festa. Queria ser seguro e confiante como o leitor que agora me rotula de dramático. Mas sou um fraco. O único consolo seria algum comentário confessando igual pesadelo. Você, por exemplo, já viveu esse apuro?
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6.7.12
Trevas
Número 480
Rubem Penz
Portas, grades, muros, arames farpados... Cercas físicas e elétricas, correntes e cadeados. Tudo o que protege da escuridão nos separa, também, da luz. Alguém precisa dar mais atenção à influência das tantas barreiras físicas no ânimo de nos aproximarmos uns dos outros. Em pleno Século 21, voltamos à Idade das Trevas, época de violência e medo.
Ninguém me convence de que o isolamento cada vez maior e sua consequente intolerância não nascem de uma contaminação psicológica dos limites contundentes em nossas propriedades, especialmente em grandes centros urbanos. Se o outro vem da fronteira estabelecida entre o bem e o mal, e estou seguro de habitar o lado do bem, ele é, a priori, uma ameaça.
Para mim, o recado transmitido por uma porta sólida, gradeada e com um olho mágico sempre foi evidente: estou desobrigado de atender. Vejo o outro lá fora, mas permaneço oculto em minha toca, acuado, indisposto. Ao sair, recorro ao vidro escuro do automóvel, novo manto da invisibilidade. Tudo é feito para escapar do constrangimento da exposição.
Também o recado de um muro alto é claro: você não é bem-vindo. Seu olhar deve permanecer de fora, não quero ouvir o som que você produz, em nada me interessa quem está do outro lado. Além do mais, a ignorância sobre o entorno é reconfortante: poupa-nos de todo e qualquer impulso de solidariedade. Desculpa-nos de eventuais omissões.
O recado de um porteiro eletrônico é frio como a voz metalizada: convença-me de quem é você, diga o que deseja, seja convincente. O recado do agente de segurança que nos prende em eclusas é explícito: desconfio de você a ponto de cercear arbitrariamente sua liberdade pela simples ousadia de querer entrar. O recado de uma cerca elétrica é ameaçador: perigo! E o cão que ladra avisa que morderia antes mesmo da invasão, pois foi treinado para farejar, em todos, potenciais inimigos.
Assim, para sairmos de nosso lar em direção à casa de alguém é preciso, primeiro, ter coragem para enfrentar a Floresta Má do espaço público. Depois, aceitar o fato de que o feitiço desta floresta nos transforma em seres potencialmente perigosos, para os quais todos os recados convergem: vá embora! Por fim, carregar como antídoto uma poção com doses elevadas de paciência, perseverança, simpatia e fé.
Duvida? Leia os soturnos manuais de segurança para conferir quais foram nossas "conquistas" civilizatórias. Ali, o cabal reconhecimento ao poder das trevas. Ali, nada do que mais almejo: a cálida e reconfortante luz das almas.
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