SERPENTE LUMINOSA
Quando é verão, os telejornais de sexta-feira e domingo à noite mostram uma imagem que se repete, repete e repete. Aliás, o faz com tanta certeza que dispensaria a equipe de filmagem no local: basta reproduzir a cena da semana passada, do verão anterior, de alguns anos antes. É o quadro sobre o qual o jornalista informa, em off, quantos automóveis passam por minuto em determinada praça de pedágio rumo às praias. Uma serpente luminosa do foco ao horizonte, que na sexta aparece vermelha e, no domingo, branca. Serpente gigantesca com um lado nascendo em cidades como Porto Alegre e São Paulo, e o outro chegando ao litoral. Serpente de um tempo voraz.
Cada célula epidérmica desta serpente é um automóvel em deslocamento. Em cada automóvel, alguém, grupo ou família, migrando para o clima ameno em busca de momentos de lazer. A luz que destaca o ofídio na paisagem é a reprodução do fogo primata – por onde anda o homem, leva consigo sua energia. É como se as lanternas e faróis fossem a tocha que saiu – e voltará – de uma pira urbana com o objetivo de acender a outra, esperando para ser iluminada na praia. Na verdade, é exatamente isso o que acontece: nos finais de semana, a faixa litorânea recebe a serpente e se inunda de luz.
Existe uma eloquente imagem de satélite que demonstra a coincidência entre desenvolvimento econômico (político, cultural, de infraestrutura) e a energia elétrica. Nela, é nas áreas iluminadas do globo terrestre que encontramos pujança. Nas outras, pobreza e índices de desenvolvimento deixando a desejar. Mais do que a presença de homens, o brilho noturno de determinada cidade, estado ou país indica seu quadro de prosperidade. Também se descobre se a riqueza está concentrada ou distribuída. A luz que serpenteia a paisagem – vista, com certeza, do espaço –, carrega consigo os homens brilhantes, bem sucedidos. À sua volta, trocas de bens e serviços estarão garantidas. Bendita serpente.
Maldita serpente, por outro lado. Tamanho jorro de luz significa estarmos trocando seis por meia dúzia: saímos de uma cidade para outra cidade. Nas duas pontas, prédios de apartamentos, ruas lotadas de automóveis, filas, supermercados, bancos, calçadões, bares, restaurantes, gente, gente, gente. Diferente, o mar. Quando não contaminado de coliformes fecais. A mesma luz que significa segurança e prosperidade, compromete todo o ecossistema. Afinal, junto com ela andam as garrafas PET, o papel, as latinhas e a falta de educação. O barulho, o solo alterado e a fumaça. O intenso apetite da serpente luminosa é pelo imediato.
Enquanto rasteja, a serpente humana termina, para o bem e para o mal, ofuscada por sua própria luz. Com suas lâmpadas claríssimas e tecnológicas, ela perde – quando não destrói – espetáculos tímidos e grandiosos oferecidos pela natureza, outrora os protagonistas de faixas litorâneas. Na mesma medida em que visores de telefones celulares se iluminam, vagalumes somem do entorno. Ao mesmo tempo em que postes elevados clareiam as areias da praia, apaga-se o branco azulado da espuma das ondas em noite de lua cheia. Os olhos-de-gato das sinaleiras dos automóveis refletem milhares de vezes mais do que os olhos das corujas. Enfim, para cada conquista, uma perda.
A linha do tempo desenhada pela serpente luminosa das estradas parece sem volta. Minha esperança é de que algumas praias e cidades turísticas resistam pequenas e, assim, mantenha-se certa penumbra. Refúgios acomodando, por exemplo, o equilíbrio entre o conforto e a preservação ambiental. Neles, e em outros ambientes bucólicos, ainda poderemos nos maravilhar com outra serpente de luz, especialmente revelada à sombra do progresso: a Via Láctea.
Quando é verão, os telejornais de sexta-feira e domingo à noite mostram uma imagem que se repete, repete e repete. Aliás, o faz com tanta certeza que dispensaria a equipe de filmagem no local: basta reproduzir a cena da semana passada, do verão anterior, de alguns anos antes. É o quadro sobre o qual o jornalista informa, em off, quantos automóveis passam por minuto em determinada praça de pedágio rumo às praias. Uma serpente luminosa do foco ao horizonte, que na sexta aparece vermelha e, no domingo, branca. Serpente gigantesca com um lado nascendo em cidades como Porto Alegre e São Paulo, e o outro chegando ao litoral. Serpente de um tempo voraz.
Cada célula epidérmica desta serpente é um automóvel em deslocamento. Em cada automóvel, alguém, grupo ou família, migrando para o clima ameno em busca de momentos de lazer. A luz que destaca o ofídio na paisagem é a reprodução do fogo primata – por onde anda o homem, leva consigo sua energia. É como se as lanternas e faróis fossem a tocha que saiu – e voltará – de uma pira urbana com o objetivo de acender a outra, esperando para ser iluminada na praia. Na verdade, é exatamente isso o que acontece: nos finais de semana, a faixa litorânea recebe a serpente e se inunda de luz.
Existe uma eloquente imagem de satélite que demonstra a coincidência entre desenvolvimento econômico (político, cultural, de infraestrutura) e a energia elétrica. Nela, é nas áreas iluminadas do globo terrestre que encontramos pujança. Nas outras, pobreza e índices de desenvolvimento deixando a desejar. Mais do que a presença de homens, o brilho noturno de determinada cidade, estado ou país indica seu quadro de prosperidade. Também se descobre se a riqueza está concentrada ou distribuída. A luz que serpenteia a paisagem – vista, com certeza, do espaço –, carrega consigo os homens brilhantes, bem sucedidos. À sua volta, trocas de bens e serviços estarão garantidas. Bendita serpente.
Maldita serpente, por outro lado. Tamanho jorro de luz significa estarmos trocando seis por meia dúzia: saímos de uma cidade para outra cidade. Nas duas pontas, prédios de apartamentos, ruas lotadas de automóveis, filas, supermercados, bancos, calçadões, bares, restaurantes, gente, gente, gente. Diferente, o mar. Quando não contaminado de coliformes fecais. A mesma luz que significa segurança e prosperidade, compromete todo o ecossistema. Afinal, junto com ela andam as garrafas PET, o papel, as latinhas e a falta de educação. O barulho, o solo alterado e a fumaça. O intenso apetite da serpente luminosa é pelo imediato.
Enquanto rasteja, a serpente humana termina, para o bem e para o mal, ofuscada por sua própria luz. Com suas lâmpadas claríssimas e tecnológicas, ela perde – quando não destrói – espetáculos tímidos e grandiosos oferecidos pela natureza, outrora os protagonistas de faixas litorâneas. Na mesma medida em que visores de telefones celulares se iluminam, vagalumes somem do entorno. Ao mesmo tempo em que postes elevados clareiam as areias da praia, apaga-se o branco azulado da espuma das ondas em noite de lua cheia. Os olhos-de-gato das sinaleiras dos automóveis refletem milhares de vezes mais do que os olhos das corujas. Enfim, para cada conquista, uma perda.
A linha do tempo desenhada pela serpente luminosa das estradas parece sem volta. Minha esperança é de que algumas praias e cidades turísticas resistam pequenas e, assim, mantenha-se certa penumbra. Refúgios acomodando, por exemplo, o equilíbrio entre o conforto e a preservação ambiental. Neles, e em outros ambientes bucólicos, ainda poderemos nos maravilhar com outra serpente de luz, especialmente revelada à sombra do progresso: a Via Láctea.
2 comentários:
Nossa!
Me emocionei.
Também tenho refletido sobre o que o dito progresso ta fazendo com nossas praias.
Pois é,
às vezes fico meio saudosista...
Abraço,
Rubem
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