16.9.10

Número 387

DE CABO A RABO

Rubem Penz

Lembro daquela tarde como se fosse hoje: o parque estava cheio e o céu aberto. No horizonte, nuvens em rabo-de-galo prometiam chuva em, no máximo, 48h. Mas quem pensava tão longe enquanto a primavera juvenil brilhava no firmamento? Eis que, de rabo de olho, noto a chegada da mais bela das mulheres. Do grupo que passeia sorrindo, é a única de rabo-de-cavalo. E tenho um fraco por pescocinhos que nem lhe conto... Tomei coragem e puxei conversa: só me faltou abanar-lhe o rabo.

Para total surpresa, ela me deu confiança. Meu ego subiu como um pipa, as pernas amoleceram feito rabilola, seria ela quem me colocaria na linha? Sim, pois sempre fui do tipo que não podia ver rabo de saia... Quedei-me e me afoguei com seu canto de sereia – aquele ser mítico, busto de mulher e rabo de peixe. Fervi como se um rabo quente estivesse em minhas veias. Em pouco tempo estávamos enrabichados.

No dia em que ela me levou até sua casa pela primeira vez, entrei com o rabo entre as pernas. Seu pai, um rábula rabugento, disse que deu um pé na bunda de todos os outros pretendentes. Ela sorriu. Eu, não: que o velho não viesse, pois daria um rabo-de-arraia antes de ele encostar um dedo em mim. Ninguém merece sogro ardido feito rabanete! Mas, por falar em comida, a sogra foi um doce... Levou o marido para ver TV no quarto e só apareceu na sala para nos servir rabanada. E ainda prometeu que me receberia em seu aniversário com uma feijoada completa – com direito a orelha de porco, joelho de porco e outra parte do porco que posso deixar subentendida nessas alturas da história.

O tempo riscou o destino rápido feito rabo de cometa. De intimidade em intimidade fui, enfim, intimado: precisávamos nos casar. Não havia escapatória, pois já tinha o rabo preso. Claro que, no fundo, desejava isso: encontrara a mulher da minha vida, esperar por quê? Na Igreja, de braços com a sogra, vi aquele monumento branco surgir no lado oposto à nave... Que véu enorme, disse. Que decote enorme, disse. Que rabo enorme, levei uma cotovelada. É cauda o que tem no vestido, explicou a sogra. É sinônimo, me defendi. No lugar do rabo-de-cavalo, o penteado alto: continuava ali o meu pescocinho...

Veja você que chegamos aos dias de hoje. Não digo que a vida até aqui foi um mar de rosas – houve, sim, uns arranca-rabos normais, como em qualquer relacionamento. Mas posso dizer que passamos bem. Em termos financeiros, como sou médico urologista, nada nos faltou: a carestia, que para muitos põe o orçamento no pescoço, para nós é água que mal bate no rabo. Por isso, minha mulher é reconhecidamente alguém de sorte. Não tem dia, não tem hora nem lugar em que nós passamos sem que eu escute ao apontarem para ela: olha lá, que rabo tem aquela! O vizinho, o açougueiro, o padre... Até o rabino. As outras mulheres – me divirto! – beliscam seus maridos sem parar. Devem fazer isso de inveja de minha rabudinha, que a todos sorri.

Eu? Sim, sou um homem de sorte. Confesso sem medo que tenho um baita rabo. Há quem diga que até mais do que isso.

 

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