Número 459
Rubem Penz
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
Vinícius de Moraes
Isso faz alguns anos. Encontrei o irmão mais velho de um bom amigo, daqueles solteirões convictos, e ele olhou incrédulo para a aliança em meu dedo. Ah, isso não me pega! – disse – odeio rotina. Porém, conversa vai, conversa vem, convidou-me para descobrir o que era vida boa de verdade: podia passar de quarta-feira até domingo numa determinada casa noturna que ele estaria lá, com mesmo pessoal e na mesa de sempre. Um grupo seleto e formado, creio, apenas de pessoas que odiavam a rotina.
Outro camarada, dos mais bacanas, disse-me certa vez não entender como eu conseguia permanecer tanto tempo com o mesmo carro (à época, um Uno Mille comprado quase zero e que, assim como eu, varava os anos sem mostrar desgaste algum – fim das comparações, por favor). Abrir a mesma porta, olhar para o mesmo painel e acelerar o mesmo motor era entregar-se à rotina. Ele, religiosamente, trocava de carro a cada novembro, desde que fosse da cor preta ou prata. Um mês antes da data, já estava de olho nas novidades. A única exceção era a de repetir o modelo uma só vez, noutra cor, para o caso de ter gostado muito.
Casa na praia? Isso seria o purgatório para uma amiga. Onde já se viu investir um monte de capital num imóvel? – questionou aflita. Jamais seria daquelas de cumprimentar os vizinhos de quadra (frequentá-los, então, o horror), saber o nome do salva-vidas, ter restaurante predileto, rotinas de caminhada, churrasco no domingo. Ao invés, todo ano fazia igual: escolhia um destino exótico, alugava um quarto de pousada ou apartamento e levava os livros eleitos para serem devorados nas férias.
Ao contrário do que venho dizendo, outro parceiro disse me invejar de montão. Acreditava que o verdadeiro sonho seria ser escritor ou músico, quando não os dois. Sentar ao computador cedo da manhã, dia após dia, e passar horas pensando em novas combinações de palavras. Depois, gastar o dobro deste esforço em releituras, trocando um termo aqui, acrescentando outro acolá, eternamente insatisfeito. Quando não, nos ensaios: repetindo, repetindo, repetindo para, no show, não correr o risco de esquecer o que (e como) tocar em determinado tema. Ele, pobre, cumpria uma jornada rotineira de trabalho.
E assim vamos nós: esgrimindo contra a rotina. Uns buscando outra na mesma mulher, outros a mesma em diversas. Uns reconhecendo as manias de um carro velho, outros eternamente descobrindo as variáveis de um modelo novo. Uns repetindo verões numa casa de litoral, outros alterando a mesma escolha. Uns em repetições de tarefas iguais, outros em tarefas criativas que, igualmente, se repetem.
Ao irmão mais velho do meu amigo, segundo soube, já aconteceu de se casar – virou um tardio papai. Agora sim, um bom trilho para quem odeia a rotina.
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2 comentários:
Rubimestre como sempre tocante, é isto ai não adianta que sempre iremos no rerotinar, indo para a esquerda, direita ou caminho do meio. Não escapamos como diria minha bisavó trapezista.
Bisavó trapezista é maravilhoso! Grato, Silvia! Saudade, Rubem
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