Número 470
Rubem Penz
Filhos nascem para mudar nosso rumo na vida, para estabelecer nova ordem na escala de valores, para ensinar o que é importante, o que é secundário e o que é imprescindível. Eles nem sempre conseguem cumprir esse objetivo: pais que permanecem focados em si matarão muitas aulas e, com o passar dos anos, suas notas serão insuficientes para prosseguirem na esperada evolução humana. Porém, tal fracasso no enriquecimento de nossa existência, quando ocorrer, não pode ser atribuído aos filhos – sua (nada) simples chegada é a grande lição que oferecem. O restante precisa ser apreendido.
Vejamos um exemplo banal: jogos e brincadeiras esportivas. Desde tempos primitivos, a competição implica em vencidos e vencedores, com todos sabendo em qual dos lados desejamos estar. Aí o pai está diante do filho pequeno, oponente em condições desiguais, mas bravo e cheio de motivação. Surge a dúvida: ganhar ou perder? O destino do jogo é decidido nesse instante. Também aí, começam as lições de vida.
Há pais que enfraquecem suas posições e entregam todos os jogos. Só o filho vence. A felicidade é ofertada com perdulária gentileza. O pai relembra suas dores nas tantas derrotas e jamais deseja que o filho passe por essa tristeza. São aqueles que, na vida, não aprenderam muito bem a perder. Maus perdedores: é isso que eles são. Logo, quase incapazes de ensinar a perder com altivez.
Também existem os pais que jamais amolecem durante os jogos. A criança precisa crescer forjada na dificuldade, pois a vida não dá moleza a ninguém. Desejam incutir nos filhos o desejo messiânico de superação, dão valor aos feitos do David contra Golias, rezam na cartilha do sofrimento para merecer a redenção (quando não a vingança). São aqueles que, na vida, não aprenderam muito bem a vencer. Maus vencedores: é isso que eles são. Logo, quase incapazes de ensinar a vencer com humildade.
No centro, os moderados: pais que fingem derrotas e, vez por outra, impõem a superioridade como uma espécie de alerta. De um lado, miram o ganho de autoestima que só os reforços positivos podem oferecer. De outro, ensinam sua criança a lidar com as frustrações e limitações inerentes do convívio competitivo. São pais que souberam retirar exemplos das derrotas e das vitórias, lidando com ambas de modo a serem relativizadas.
Mas, e as lições aplicadas pelos filhos nos pais, onde estão? A resposta é: criando dilemas como esses, capazes de revisar conceitos. Quem não sabe perder, recebe a oportunidade de aprender para poder ensinar. Quem não sabe vencer também, só que em vetor contrário. Aos moderados, caberá a lição (igualmente difícil) de se entristecer quando "perde" para o filho e se alegrar quando o bate – fingindo o inverso que se passa no coração.
A última opção é ter sempre algo mais importante para fazer quando o filho convida para jogarem, brincarem, competirem. Ausência que poderá ser decisiva na conquista de muitas vitórias e outros prejuízos.
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2 comentários:
Que bem apanhadas as agruras do equilíbrio materno/paterno, Rubem! Desafiadoras equações diárias, sem prova ds nove. Abraço, Tatiana
Apesar de não ter filhos, ao que me parece acertaste na mosca. Beleza, Maninho.
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