Número 485
Rubem
Penz
Assisto
o desempenho dos atletas brasileiros nos Jogos Olímpicos com dois corações, e
acho que não sou o único. Um torce para eles de modo fervoroso,
apaixonado, intenso. O outro, seca. Mas seca muito: deseja que não ganhem nem
bronze. De preferência, que façam fiascos.
(Londres
2012 atende ao coração quente e também ao frio)
Não
adianta: quando nossas cores entram nas quadras, nas pistas, piscinas, tatames
ou campos, sou tomado pelo sentimento patriótico. Meu passado acadêmico traz a
compreensão de quanto é custoso e raro ser um atleta de altíssimo nível – nível
olímpico. Isso é um plano de vida e implica enormes sacrifícios pessoais em
busca da glória improvável. Afinal, no ápice só tem lugar para um, ou uma, e a
peneira é milimétrica. Há muita emoção ao ver a bandeira no alto, o hino ecoando
e um brasileiro (irmão de solo) comovido.
Porém,
o mesmo patriotismo, quando combinado com o senso crítico, imediatamente aciona
o desejo de que nossos resultados não mascarem o quadro triste do esporte
nacional. Vivemos em um país continental e miscigenado, dois dos mais fortes
ingredientes para o sucesso nas diversas modalidades olímpicas. Não nos falta
material humano (aliás, abunda) nem clima dócil. Logo, deixamos de ser uma
potência esportiva por outros fatores, todos ligados à esfera política. Nossos
feitos, pífios, são consequências do descaso na educação (principalmente) e na
saúde, preceitos constitucionais do poder público.
Maior
raiva surge com o oportunismo dos governantes tão logo aparecem novos heróis.
Pousam para fotos, discursam, sorriem e faturam benefícios pessoais ou
partidários. Pior: enaltecem no guerreiro ou guerreira o fato de superarem as
dificuldades cuja responsabilidade recai sobre seus ombros, sem confessar ou
expiar-se. Esquecem que a glória olímpica é apenas a cereja do bolo cuja massa,
recheio e cobertura se faz com milhares de jovens saudáveis, com boa formação
moral, distantes do crime e da droga. O desporto salva e dignifica vidas desde
a base até a elite.
Quero
um dia unificar meus corações. Quero chorar abraçado na bandeira verde e
amarela. Quero, acima de tudo, abandonar o destaque em outros rankings vergonhosos,
tais como o da desigualdade social, das agruras na saúde pública e dos fiascos
na educação. Chega de ver meu país no pódio da corrupção, da violência e da
malandragem. É: quero só torcer, sem secar. Parece querer demais?
6 comentários:
BAITA crônica. Verbalizou o que muitos de nós também sentem. Não dá só pra torcer, o espírito crítico tá sempre presente... Valeu Rubem!
Tiago Sozo Marcon
Bem colocado o tema, Rubem. Não dá pra ser "primeiro" (mesmo no esporte) sem resolver os problemas de base. Há projetos de inclusão via esporte admiráveis - mas ainda insuficientes para o tamanho da necessidade. Por outro lado, hoje o COB tem um superintendente que está atuando com muita competência e profissionalismo: Marcus Vinicius Freire estruturou definitivamente o esporte de alto desempenho e o pôs como prioridade na agenda política, com verba da loteria e tudo. E não é pra 2016. É pra mais e pra sempre. Confio que em 3 ou 4 Olimpíadas o Brasil será um país olimpicamente competitivo. Aí sim poderemos gritar e comemorar os resultados sem tossir com a poeria que fica sob o tapete. Abraço!
Ao dizer que os políticos "enaltecem no guerreiro ou guerreira o fato de superarem as dificuldades cuja responsabilidade recai sobre seus ombros", esta crônica aborda um tema que vai muito além do esporte. Sempre existirão pessoas que dão absolutamente tudo de si para alcançar seu objetivo de vida em qualquer profissão. Quanto maior a adversidade social, maior o esforço. Independente do ramo de trabalho, as pessoas que têm como profissão repartir os louros com os outros também existirão perpetuamente. Pessimismo da minha parte?
Maravilhosos os comentários até agora, e sou muito grato! Como deve ser, a crônica (toda crônica) existe para abrir a discussão, jamais fechar questões. O debate é o que interessa.
Abraços, Rubem
Abaixo, o comentário de Corina Breton, que me pediu ajuda para vê-lo constar:
Rubem, mil vezes obrigada, pois conseguiste expressar, numa crônica instigante, o sentimento dos que têm a capacidade de análise e crítica. Precisas ser lido por muitos e, quem sabe, despertas o cidadão do marasmo e da passividade com que olha o "país no pódio da corrupção, da violência e da malandragem." Outra vez, obrigada. Corina Breton
Rubem,
Conseguiste expressar o que a gente sente e não traduz em palavras.
Abraço,
Jussara
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