INTELECTUALIDADE
MÓRBIDA
Tenho
cá minhas dúvidas se a medicina já catalogou essa patologia que chamarei de
intelectualidade mórbida. Porém, há quem apresente sintomas do distúrbio, como
arrogância crônica, mau humor e desprezo pela opinião alheia. Segue uma luz
sobre o tema.
Intelectual
mórbido gosta de ler. Óbvio, quem não gosta? Mal está com um livro nas mãos, já
está pensando no próximo. Contudo, acumula conhecimento em desproporção com sua
capacidade de compartilhar, o que faz dele alguém cada vez mais pesado. Vira o
sabe-tudo e, em casos agudos, preconceituoso. O que era para ser libertador
torna-se prisão.
A
intelectualidade mórbida também faz muito mal ao coração. Fica difícil amar
quando se está intoxicado pela complexidade humana. Quanto mais dela, menos espaço
sobra para fluir a inocência dos sentimentos, a pureza das intenções. Isso faz
crescer a pressão, exigindo do outro muito esforço para conquistar empatia, desejo,
compaixão. Intelectual mórbido não se doa. Compete, desconfia, é impaciente. Na
balança, o desencanto.
O
SUS não ampara em seus procedimentos quem sofre de intelectualidade mórbida.
Nem adiantaria, mesmo. Intelectual, mórbido ou não, só procura o serviço
público de saúde no desespero – como acreditar nesse tipo de gestão? Descrença,
aliás, é outra consequência da hipertrofia patológica da razão. Se um dia a
pessoa teve alguma fé, religiosa ou na humanidade, ela foi sufocada por grossas
camadas de pragmatismo.
Um
aviso: em nenhum caso é recomendada cirurgia de redução de cérebro. A cura para
esse mal passa por educação alimentar e mudança de hábitos. Primeiro, mesmo
contra a vontade, há que se consumir alguma dose de frivolidades. A arte, na
superfície, contém fibras: alimenta pouco, mas ajuda na formação do bolo (evito
aqui a palavra que me veio). Paralelamente, mexer-se. Ir até o ponto de vista
do outro, próximo ou distante, emagrece o ego enquanto tonifica a humildade.
Previna-se
da intelectualidade mórbida. A inteligência bela e saudável é leve, flexível,
aeróbica. Há exemplos assim para serem seguidos dentro e fora da Academia. E, aproveitando
a abertura da Feira do Livro, comecemos com doces caminhadas na Praça da
Alfândega.
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