1.5.08

Número 262

PROCURAM-SE VAGAS

Por mais dinâmica que seja a prefeitura – adjetivo raramente cabível –, vejo que a cidade não cresce no mesmo ritmo do número de novos automóveis em suas ruas e avenidas. Os resultados disso são os engarrafamentos nas horas de pico e o drama para encontrar vagas de estacionamento. Problemas opostos: quando se quer andar, pára-se; querendo parar, não se consegue. E, em se tratando de estacionamento, verifiquei que o comportamento das pessoas diante desta carência tem uma estranha variedade, que descreverei.

Há quem sempre procure estacionar o mais perto possível do seu destino. Defronte, de preferência. São pessoas movidas por um otimismo que pouco encontra eco na realidade. Quando passam por vagas razoáveis no caminho, próximas até, as desprezam: já que estão de carro, não querem caminhar. O raciocínio, simples e lógico, é o de que, tendo vagas perto, também existirão outras ainda mais perto. Quando acertam, ótimo! Mas quando erram, passam a dar voltas e mais voltas, correndo o risco de perder mais tempo do que um deslocamento de meia quadra. E se queixam de azar...

Outros, nos quais me incluo, travam uma batalha interior contra o desejo de ocupar a primeira vaga que se ofereça. No meu caso, ela pode estar dois ou três quarteirões distante do local para onde vou. Não importa: a hipótese de ficar rodando feito um pateta é sempre pior do que a de uma caminhada. O problema é a falta de segurança nas nossas ruas – um regulador que freia o ímpeto de largar o carro em qualquer lugar. Aí se fica naquela paranóia de encontrar um local iluminado, movimentado, defronte a um prédio com guarita de segurança... Um triste desgaste típico dos nossos tempos.

Mas o comportamento destes dois grupos seria diferente em estacionamentos de supermercados e shoppings? A questão se impõe na medida em que, neles, as distâncias a serem percorridas nem são tão grandes, nem estamos sujeitos às intempéries ou riscos de assalto iminente. Pois é: noto que a maneira de se relacionar com as vagas para automóveis não muda um milímetro. Os otimistas querem estacionar ao lado do portão de acesso e praguejam quando isso não ocorre. Os ansiosos ocupam uma posição qualquer, tudo para se livrar da chatice de procurar muito.

Claro que há também outros comportamentos ao volante a serem relacionados: os cavalheiros – que deixam a acompanhante ou família na porta e, só então, saem em busca de uma vaga; os desonestos – que estacionam em vagas para deficientes, em fila dupla, em local proibido e onde mais seja possível, desde que com vantagem; os esquecidos – freqüentemente vistos caminhando a esmo e disparando o alarme do carro perdido para que ele se acuse, e o motorista estressado – aquele que volta para casa com o bilhete do teatro no bolso ou que desiste das compras porque não encontrou uma vaga de estacionamento no prazo razoável (quem não teve, no mínimo uma vez, o desejo de fazer isso?).

Todo esse tralalá é para externar uma preocupação: no ritmo em que as coisas avançam, com o número de carros suplantando a cada dia o número de vagas de estacionamento, em breve virá o caos. Então, ou a cidade colhe os frutos de administrações dinâmicas e que investiram em segurança e bom transporte coletivo (metrô, ônibus e táxi-lotação), ou corremos o risco de ninguém mais sair de casa – o que causará enormes prejuízos para a cadeia de serviços. Sem esquecer do vaticínio do Luis Fernando Verissimo, feito na década de setenta: a ocorrência do Grande Engarrafamento, com as pessoas invadindo, morando e alugando automóveis abandonados e que nunca mais deixarão o leito da rua.

2 comentários:

Beto Canales disse...

Sugestão para a continuação (depois de conseguir estacionar):

Flanelinhas: o martírio.

Rubem Penz disse...

Bah, Roberto...
Flanelinha é dose pra leão!
[]Rubem

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