15.5.08

Número 264

IGUAIS DIFERENTES

Em três ou quatro oportunidades iniciei crônicas sobre a criação de Cotas Raciais nas universidades brasileiras. Em um mesmo número de vezes abandonei os textos. Isso, de desistir, não aconteceu porque o tema não vale a pena. Tampouco por não ter opinião formada sobre ele. Muito menos por entender meu ponto de vista como irrelevante – prefiro acreditar nele como útil para quem busca as mais variadas informações para formular seus próprios conceitos. Pensando bem, talvez eu evitasse falar sobre as tais Ações Afirmativas pela razão de ser, eu, eternamente vítima de preconceito. Afinal, sou incontestavelmente alemão. Ou, preferindo o termo politicamente correto, teuto-brasileiro. Mas agora chegou o momento.

O nazismo, depois de ter patrocinado um monstruoso genocídio no século passado, conseguiu a façanha de tatuar uma ameaçadora suástica na pele de todo descendente germânico – mesmo naquele, como eu, nascido no pós-guerra e em solo brasileiro. Ainda mais quando o fenótipo característico dos povos do Norte, o mesmo exaltado na tal “raça ariana”, é mais do que evidente. Sim, eu não me pareço com um legítimo alemão apenas entre os sul-americanos: calado, qualquer europeu diz que sou da turma da cerveja e do chucrute (não é exagero, já aconteceu). Por isso, basta eu me pronunciar sobre algo que envolva etnia, cor da pele ou ascendência para a tal suástica manchar a minha testa. Daí até agora ter calado sobre o tema das Cotas Raciais: o receio de virar um arauto de Hitler.

Compreendido que também sinto na pele a marca indelével do preconceito, e que sou impotente contra isso – nada do que eu faça apagará a história –, afirmo a minha solidariedade com o cidadão afro-brasileiro. Considero uma injustiça o fato de que, mesmo tendo passado cento e vinte anos da abolição da escravatura, sua tez negra relembre o passado de diferenciação social. É a suástica a assombrar um lado, e as correntes, o tronco e a senzala o outro. Logo, nem a derrota de um grupo de racistas confessos ao final de Segunda Guerra Mundial, nem a vitória das teses abolicionistas no entardecer do Império parecem ser suficientemente fortes para fazer desses tristes episódios páginas viradas.

Sendo assim, habito a trincheira dos que preconizam o vestibular (ou qualquer outro concurso público) livre da informação de tom da pele. E torço para que as ações diretas de inconstitucionalidade no que envolve o PROUNI e as Cotas Raciais em vestibular saiam vencedoras na justiça. Ao mesmo tempo, sou solidário com os que lutam por uma educação pública de melhor qualidade nas séries iniciais e em nível médio, a única saída para oferecer condições equilibradas de acesso ao nível superior. Um direito historicamente negado aos menos favorecidos, tenham eles a pele de qualquer tom.

Um grande alívio é não estar sozinho nesse lado da batalha: os baianos Caetano Veloso e João Ubaldo Ribeiro e o maranhense Ferreira Gullar, entre outros nomes ilustres, são desfavoráveis ao critério de Cotas Raciais. A eles ninguém acusará de nascerem tão próximo de Novo Hamburgo como eu. Enfim, fico honrado e mais tranqüilo de termos brasileiros com crenças iguais, mesmo de origens tão diferentes. Ao mesmo tempo em que sigo com igual respeito a quem pensa diferente, diga-se de passagem.

Um comentário:

Zu Fortes disse...

Concordo contigo, Rubem. Sou contra este paternalismo eleitoreiro. Que sejam dadas oportunidades iguais aos negros e brancos e índios, desde o nascimento. Abram mais vagas nos postos de saúde e nas escolas públicas; qualifiquem os profissionais dessas áreas;dêem trabalho aos pais de família.Sem o assombro da miséria,a questão racial pesa bem menos.

Zulmara

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