Número 490
Rubem Penz
Foram tantas voltas feitas que deixei para escrever a crônica em cima do laço, na véspera, depois dos 40 do segundo tempo. Não é meu hábito, contudo a semana foi especialmente corrida, temperada com algumas novidades – entre elas uma pequena viagem e a interinidade para comentários sobre literatura numa importante emissora FM (BandNews). Nada do outro mundo, mas atividades que demandaram uma concentração mais apurada pelo caráter inaugural. E esse texto foi ficando para depois, para daqui a pouco, para agora. Quase que para ontem.
Porém, como sou alguém de muita sorte – o que jamais dispensa boas doses de juízo –, calhou de estar lendo um livro de crônicas recém-lançado, que folheio pelas bordas para não queimar a alma. Mais: decidi falar sobre ele na rádio, aguçando os sentidos para oferecer algo mais consistente do que o número de páginas ao ouvinte. Melhor: o autor estaria completando 64 anos durante a semana (em 12 de setembro), elevando a escolha ao patamar de efeméride. Perfeito: interrompi a leitura no exato instante em que o grande escritor queixa-se da urgência do gênero, cujo espaço no jornal aguarda nossas palavras.
Estou falando de Caio Fernando Abreu, autor gaúcho de envergadura universal, e seu A vida gritando nos cantos (Ed. Nova Fronteira, 2012). A obra é uma compilação de crônicas publicadas originalmente no O Estado de São Paulo, entre 1986 e 1996, textos galgando o suporte livro pela primeira vez. Uma publicação encorpada que talvez merecesse melhor cuidado em termos de artes gráficas – não que esteja ruim, apenas faria jus a mais. Para não deixar essa parte em todo desmerecida, a fonte escolhida – Brioni – é de confortabilíssima leitura.
De tudo de bom que se possa falar da prosa de Caio F., quero destacar sua virtude enquanto cronista: ele tem o dom de nos transformar em seus amigos achegados. Quase confidentes. Sua construção epistolar e intimista faz sumir o fato de que escrevia para milhares de leitores – parece que somos dois a trocar segredos, que o mundo inexiste. E olha que sequer o conheci em pessoa. De uma linha para outra, falando de si, comentando as angústias do cotidiano paulista dos anos 1980, desconfio que ele saiba de mim também. Muito impressionante. Quase mágico (palavrinha gasta, mas foi a que veio no momento e preciso terminar a crônica).
O título do livro – A vida gritando nos cantos – é um fragmento da crônica Querem acabar comigo, página 90. Nela, ele confessa a dificuldade em oferecer um bom texto ao leitor, uma produção de valor estimável, descrevendo um pouco de sua rotina. Adorei constatar (novamente) que não sou o único a sofrer a dor necessária para que a obra valha o investimento de quem se dispõe a nos acompanhar semanalmente.
Obrigado, Caio: se não bastasse a ótima literatura, você caiu como uma luva para salvar meu prazo!
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